São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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OMBUDSMAN

Estatísticas

BERNARDO AJZENBERG

O uso de estatísticas para avaliar um jogo de futebol, como costuma fazer a Folha, sofre muita contestação.
Mas a verdade é que os números se baseiam em fatos (dribles, chutes a gol, escanteios etc.) e expressam claramente o desempenho técnico dessa ou daquela equipe, independentemente dos gols marcados.
O mesmo não vale, porém, para avaliar o comportamento dos jornais numa campanha eleitoral. Por isso, deve ser relativizado o levantamento feito pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), apresentado em reportagem da Folha domingo passado sob o título "Instituto mapeia cobertura dos jornais".
Como explica o texto, o mapeamento divide as reportagens em "positivas", "negativas" e "neutras". Além disso, contabiliza o espaço dedicado aos candidatos em cada publicação.
De 20 de fevereiro a 28 de junho, a Folha, segundo o instituto, foi, dentre os três jornais de "maior penetração" do país, o que apresentou percentual mais elevado de reportagens "neutras" sobre a sucessão presidencial. Ao mesmo tempo, foi o que deu maior espaço relativo à candidatura José Serra (PSDB).
Um estudo como esse, se feito com cautela e precisão, só pode ajudar na avaliação do desempenho da imprensa. Por seu histórico, o Iuperj tem toda a condição de torná-lo útil e necessário, como um contrapeso objetivo às avaliações subjetivas referentes à imprensa.
Mas seus dados não devem ofuscar a existência de elementos inerentes ao jornalismo: a possibilidade de interpretação dúbia, as duplas leituras, o momento político e/ou econômico em que determinada notícia surge, as ambiguidades, a sutileza e a subliminaridade, a força subterrânea das imagens.
Como afirma o próprio diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, na reportagem, "jornalismo não é estatística".
Pergunta, também ali, Rodolfo Fernandes, diretor de Redação do "Globo": "Serra dar nota 7,5 para o governo Fernando Henrique é "positivo" ou "negativo'? E Ciro dizer que vai alongar o perfil da dívida interna? E Lula afirmar que o PT mudou?".

Ibope
Na quarta-feira passada, por exemplo, os principais jornais do país publicaram em suas capas, com títulos destacados e em espaços expressivos, a pesquisa de intenção de votos do Ibope que colocou Ciro Gomes (PPS) isolado no segundo lugar, nitidamente à frente de Serra.
Foi o primeiro levantamento nacional realizado após a série impactante de entrevistas com os candidatos no "Jornal Nacional" e o primeiro, também, em que o candidato da Frente Trabalhista abria tamanha distância sobre o tucano.
A Folha, porém, não deu na capa sequer um título para a informação, limitando-se a registrar seus principais dados ao pé de uma chamada que versava sobre outra questão da campanha eleitoral. Internamente, a reportagem não foi nem mesmo manchete de página.
Questionada a esse respeito pelo ombudsman, a Secretaria de Redação afirma que "o jornal trata das outras pesquisas eleitorais, que não as do Datafolha, conforme exercem efeito e impacto sobre o cenário político-eleitoral".
E acrescenta:
"Continuamos a dar primazia editorial às pesquisas Datafolha, não apenas por serem de instituto vinculado ao jornal, mas por serem consideradas as mais confiáveis do país, confiabilidade reforçada, é bom sublinhar, pela circunstância de que o Datafolha não faz pesquisa para partidos nem para políticos."

Impacto
Não estão em dúvida a credibilidade do Datafolha nem o fato de que o jornal lhe dê primazia.
Isso posto, pergunto: quais foram o efeito e o impacto dessa pesquisa do Ibope?
Basta ver a agitação ocorrida no núcleo central da campanha de Serra para verificar que foram enormes antes mesmo da sua divulgação nos jornais.
Isso, sem considerar a redução da taxa básica de juros, pelo Banco Central, que não poucos analistas atribuem a uma tentativa, adotada na própria quarta, dia seguinte à divulgação da pesquisa na TV, de dar oxigênio ao candidato do Planalto.
Como seria computada estatisticamente tal postura da Folha à luz dos parâmetros de um estudo como esse do Iuperj?
Em texto no "Observatório da Imprensa", site de análise da mídia, o jornalista Alberto Dines, entre outras ponderações, destaca também a importância dos colunistas e chargistas como elementos que influem no comportamento de um jornal.
Mais uma vez, não se trata de desmerecer estatísticas, mas de alertar para o fato de que muitas vezes seus resultados, vistos abstrata e isoladamente, podem esconder problemas sérios e graves de performance editorial.
Elas são bem-vindas, como um elemento a ser considerado com seriedade, mas não substituem -nem seus autores pretendem fazê-lo, deixe-se claro- as observações e o acompanhamento diário que os leitores fazem e os próprios jornalistas têm a obrigação de realizar.
Por mais que se esforce na busca pela objetividade, o jornalismo é, sim, um universo no qual a subjetividade dita (muitas) regras -e aí reside, a bem da verdade, a sua graça.



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