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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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O juiz, Gaza e a cadela

"A importância simbólica desse assassinato em que o crime parece ter vencido e intimidado a sociedade merece mais do que um anúncio discreto na primeira página (...) Tal fato violento não ocorre diariamente em países civilizados onde as máfias não comandam a sociedade, exemplos em que o Brasil não parece mais se incluir."
Esses são trechos de um e-mail de um leitor médico "entristecido" com a cobertura dada pela Folha no sábado (15) ao assassinato do juiz Antonio José Machado Dias, de Presidente Prudente (SP), aparentemente a mando do chamado crime organizado. E ele tem razão.
O caso escandaloso, de impacto internacional, recebeu na capa do jornal apenas uma chamada de uma coluna, à esquerda da parte inferior da página.
Internamente, na edição nacional, foi editado no pé da capa de Cotidiano, virando assunto principal, no alto, apenas na edição SP (fechada às 23h23).
Na Primeira Página, a mudança só veio numa edição ainda mais tardia, encerrada à 1h30 do sábado, com um título maior, em quatro colunas -ainda assim, embaixo da dobra.
Não foi esse, porém, o único exemplo da semana em que a Folha se mostrou pouco sensível à relevância jornalística de um assunto -seja pela força do próprio fato, seja por sua simbologia expressiva.
Na segunda-feira, ao menos onze palestinos, inclusive uma menina de quatro anos, foram mortos na faixa de Gaza em choques entre soldados israelenses e atiradores palestinos.
O ocorrido, no entanto, passou longe da capa da edição de terça. Mais grave: foi registrado apenas numa nota "Panorâmica" ao pé de uma página de Mundo.
Episódio mais curioso foi o da cadela Michelle, na quinta-feira, quando os principais jornais publicaram a foto da fox terrier de Lula chegando à Granja do Torto -onde havia uma reunião ministerial- em veículo oficial de uso exclusivo em serviço.
A Folha mencionou o fato, registrou que o veículo era de "uso exclusivo da Presidência", mas não publicou a expressiva imagem da cadela no carro nem deixou claro ao leitor que poderia haver, aí, irregularidade.
A foto só saiu na sexta, ilustrando um texto sobre o debate suscitado por Michelle na Câmara dos Deputados.
Essa timidez contrasta com o tom abertamente crítico adotado em 1991 quando a mulher do então ministro do Trabalho e da Previdência Social, Rogério Magri, foi "flagrada" usando uma kombi chapa branca para levar dois cachorros num veterinário.
Em 15 de maio daquele ano, o caso recebeu espaço na capa da Folha e foi a manchete interna da nobre página 4.
Não está claro o grau de irregularidade no caso de Michelle. Mas, no mínimo por seu aspecto simbólico e pelo inusitado, o discreto tratamento editorial a ele reservado sugere ter havido, aqui, um exemplo claro do dito "dois pesos, duas medidas".


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