São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009

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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ombudsman@uol.com.br

Quando Deus entra na pauta


A dificuldade de cobrir com exatidão assuntos referentes a religiões é notável; superá-la exige estudo e dedicação

DIZIA-SE antigamente que, para não colocar em risco a unidade familiar ou dos amigos, o melhor é não discutir futebol, política e religião. São assuntos que têm a capacidade de mobilizar interesse e emoção intensas em muitas pessoas que com frequência se identificam com time, partido e igreja com grande paixão e pequena racionalidade.
Infelizmente para jornalistas, é impossível não tratar dos dois primeiros desses temas. Religião, curiosamente, aparece pouco por comparação na agenda dos veículos de comunicação brasileiros, inclusive a deste. Neste mês, no entanto, entrou na pauta da Folha com inusitada frequência.
Depois de não dar nenhuma importância ao acordo entre Brasil e Santa Sé assinado em novembro, o jornal despertou agora quando sua ratificação é debatida na Câmara.
Mas ainda há muito a fazer. A tramitação prossegue, e uma proposta de "lei geral das religiões" está também em discussão. No dia 11, a manchete deste diário foi sobre a abertura de ação criminal pela Justiça contra dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus. Todas as reportagens publicadas foram corretas.
Mas o jornal deixou de abordar aspectos fundamentais, como quais são os traços que distinguem a Iurd de outras denominações evangélicas. Isso teria ajudado a evitar a percepção de alguns leitores de que a edição permitiu confundir a Iurd com as demais. Também se perdeu a oportunidade de estimular debate essencial para a sociedade sobre a confluência de religião, política partidária e meios de comunicação, que tem a ver não apenas com a Iurd.
A iniciativa do Ministério Público para retirar símbolos religiosos de repartições públicas, noticiada no dia 5, rendeu alguma reflexão sobre a laicidade do Estado e se ela tem sido devidamente respeitada. Mas, de novo, não com muita profundidade.
Similarmente ao Estado, jornal para público amplo e diversificado, como este, deve ser laico. Essa tem sido a profissão reiterada pela Folha. Mas quando temas religiosos são enfocados com mais constância, como agora, surgem acusações de que ela favorece ou persegue esta ou aquela igreja, como ocorre com relação a times de futebol e partidos políticos.
A dificuldade de cobrir com isenção e exatidão assuntos referentes a religiões é clara e notável. Superá-la exige investimento não desprezível de estudo e dedicação. Não só a sensibilidade do público neste terreno é enorme como é imensa a complexidade das diferenças entre as igrejas e no interior de cada uma, conforme se pode ter noção com a leitura do livro abaixo indicado.
Mais do que conhecimento intelectual, lidar com religiões exige apurada sensibilidade. O filme recomendado a seguir mostra como abordar esses temas de maneira sutil, delicada, mas de modo nenhum superficial. Claro que isso é sempre menos complicado de fazer na arte do que no jornalismo.

PARA LER
"Os Monoteístas", volume 2 (As Palavras e a Vontade de Deus), de F. E. Peters, tradução de Jaime Clasen, Editora Contexto, 2008 (a partir de R$ 49,56)

PARA VER
"Nada é para Sempre", de Robert Redford, com Brad Pitt, 1992 (a partir de R$ 9,90)


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Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 22 de abril de 2008. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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