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Tiros no jornalista
O ataque ao jornalista que se dedica a expor a tragédia social é tentativa de calar o jornalismo; deve ser enfrentado com mais reportagens
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NO DIA 2 DE JUNHO de
1976, poucas semanas
antes de completar 48
anos, o jornalista americano
Don Bolles acionou a ignição
do seu carro na cidade de
Phoenix. Uma bomba explodiu, e 11 dias depois os ferimentos causaram a morte do
repórter do diário "Arizona
Republic". Ele investigava o
crime organizado, e provavelmente sua morte foi encomenda de mafiosos.
Em uma reação inédita que
jamais se repetiria nos EUA,
38 profissionais de 28 jornais e
redes de TV se uniram no que
seria conhecido como "Projeto Arizona": retomar e aprofundar a apuração que o colega
assassinado tocava sobre fraudes em registro de terrenos.
Isso mesmo: embora buscassem informações e cobrassem das autoridades a elucidação do homicídio, eles se concentraram em desvendar as
falcatruas. Seu recado: se matarem um jornalista, muitos
outros virão para contar mais
sobre os fatos cujo interesse
em ocultar custou uma vida.
Os participantes produziram uma série de reportagens,
reconhecida por numerosos
prêmios jornalísticos.
No começo da noite da quarta-feira, um dos mais premiados jornalistas brasileiros,
Amaury Ribeiro Jr., 44, estava
em um bar em Cidade Ocidental (GO), na região conhecida
como Entorno de Brasília, nas
proximidades da capital.
Um adolescente entrou armado com um revólver calibre
38 e apressou o passo rumo ao
repórter. Ribeiro Jr. pulou sobre o agressor, mas uma das
balas disparadas perfurou-o
na barriga. Até anteontem, vivo e ansioso para retomar o
trabalho, ele seguia no hospital. O atirador fugiu.
O trabalho que o jornalista
desenvolvera nas semanas anteriores para o "Correio Braziliense" fora um mergulho na
violência do Entorno.
No balanço dos seis últimos
meses, publicado no dia 4 passado, Ribeiro Jr. informou que
foram assassinados no local 41
jovens de 13 a 18 anos e mais
109 de 19 a 26. Total de 150. Na
maioria dos casos, os suspeitos
são narcotraficantes.
Foi o prelúdio de uma seqüência de reportagens. A repercussão foi tamanha que o
governo anunciou o envio da
Força Nacional de Segurança.
Até a sexta-feira, os indícios
sugeriam que a tentativa de assassinato foi um atentado contra o jornalismo. Um ato de represália à revelação de crimes
e criminosos. Ribeiro Jr. escrevera no "Correio": "Na disputa com grupos rivais, bandidos obrigam jovens usuários de merla [subproduto da cocaína], endividados pelo vício,
a trabalhar como pistoleiros
do tráfico".
Entidades do Brasil e do exterior qualificaram o episódio
como uma ação contra a liberdade de imprensa e exigiram a
punição dos autores.
Editoriais e manifestos são
justos e bem-vindos. Não é esse, porém, o papel mais relevante do jornalismo. A descoberta de quem tentou matar o
repórter é urgente, mas a tarefa é, na essência, policial. Fazer justiça é prerrogativa da
Justiça.
Há interesse público em reportar a barbárie vigente nas
cercanias da sede do poder. Os
municípios do Entorno perfilam entre os mais violentos do
país. Afundam-se em uma degradação social temperada pela pobreza e a droga.
O ataque a um jornalista que
se dedica a expor essa tragédia
é também uma tentativa de calar o jornalismo. Deve ser enfrentado com mais reportagens, mesmo sem uma força-tarefa como a de 1976.
A imprensa cumpre sua vocação quando fiscaliza o poder, seja encarnado em um figurão do Senado ou em um exterminador da periferia. As
agressões físicas a jornalistas
precisam ser respondidas com
jornalismo, monitorando e incomodando quem tem motivos para isso.
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