São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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Sobre jornalismo

Os jornais noticiaram no sábado, dia 15, o assassinato do estudante de jornalismo Rafael Azevedo Fortes Alves, de 21 anos, no campus da USP, por um colega de curso da Escola de Comunicações e Artes (ECA). Rafael foi morto com uma facada no peito por Fábio Le Senechal Nanni, também de 21 anos.
Um horror. Um daqueles dramas que marcam indelevelmente as famílias, os amigos e os colegas. Um daqueles casos que nenhum jornalista gosta de fazer. Mas é um crime e assim deve ser tratado, com todos os cuidados que nem sempre temos com os dramas alheios.
O "Jornal do Campus", da USP, escolheu não fazer a cobertura jornalística do fato. Abalados com as circunstâncias da morte de Rafael, os estudantes que fazem o jornal prefeririam publicar apenas um registro ("ECA em luto pela morte de estudante de jornalismo") e um editorial ("Sobre meninos e lobos") em que fazem uma dura crítica ao trabalho da imprensa.
Reproduzo os trechos mais fortes do editorial por achar que é um bom caso para a reflexão nossa e desses jovens jornalistas que ainda não chegaram ao mercado.
"Naquele dia, dezenas de jornalistas da grande mídia nos abordaram e ligaram em nossos celulares, como lobos ávidos pelas fotos e por depoimentos exclusivos que havíamos conseguido enquanto Fábio era preso, e usaram os meios mais baixos possíveis para tentar obtê-los.
Presenciamos o trabalho desses profissionais e pudemos constatar que o que lhes interessava era buscar títulos fortes e matérias carregadas de drama nem que para isso tivessem que constranger alunos a dar entrevistas ou explorar a imagem dos que sofriam. Muitos veículos, principalmente da internet, publicaram matérias tendenciosas, sensacionalistas, maniqueístas e mal apuradas.
Cremos que a divulgação de nossos documentos só teria um objetivo: alimentar uma imprensa ávida por sangue. Em respeito à fonte e à ética, o "JC" não divulgará seu material de apuração. Decidimos também por não publicar reportagens sobre o caso, visto que o fato foi explorado à exaustão pela mídia. A forma mais respeitosa de lidar com o acontecido, diante da dor dos outros e da nossa própria, é publicar este editorial, um símbolo de luto."
Entendo e respeito a dor desses estudantes. Mas estou convencido de que fizeram a escolha errada ao abdicar do jornalismo. Não vou entrar no mérito da avaliação que fizeram dos repórteres escalados para a cobertura do caso. Mas a melhor resposta que poderiam ter dado ao sensacionalismo teria sido uma cobertura bem-feita no "JC". Uma cobertura como a que gostariam de ter lido na imprensa.


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