São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2002

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OMBUDSMAN

Pearl & Finkel

BERNARDO AJZENBERG

Dois repórteres norte-americanos acabam de entrar para a história -um pela porta da frente, outro pela dos fundos.
Na quinta-feira, os Estados Unidos reconheceram formal e oficialmente a morte de Daniel Pearl, enviado especial do "Wall Street Journal" ao Paquistão para a cobertura da chamada "guerra ao terror".
Sequestrado em 23 de janeiro, ao que tudo indica, por extremistas islâmicos que reivindicavam a soltura de membros paquistaneses do Taleban e da Al Qaeda presos na base militar norte-americana em Guantánamo (Cuba), o jornalista foi decapitado.
Morando em Bombaim (Índia), Pearl chefiava a sucursal do diário econômico no sul da Ásia. Foi descrito pelo publisher do jornal, Peter Kann, como "um excepcional colega, um grande repórter e um amigo querido de muitas pessoas do jornal".
Seus captores no Paquistão o acusavam de ser agente da CIA e membro do serviço secreto de Israel.

Embuste
No dia seguinte, o "New York Times" anunciou a dispensa de um jornalista, colaborador seu, Michael Finkel.
Motivo: ele foi o autor de uma reportagem forjada, publicada em 18 de novembro na "Times Magazine", revista dominical do jornal.
Nela, traçava-se o perfil de um jovem africano de nome Youssouf Malé, proveniente do Mali e que se teria vendido para trabalhar por US$ 102/ano numa plantação de cacau na Costa do Marfim. O texto chamava-se "É Youssouf Malé um escravo?".
Havia, inclusive, uma foto, feita pelo jornalista, de um jovem (sem identificação), que seria, supostamente, Malé.
Conta o "Times" que no dia 13 de fevereiro Finkel afirmou ao jornal que a organização humanitária Save the Children, mencionada na reportagem como tendo auxiliado Malé, o procurara para dizer que o jovem da foto não era ele, e sim um tal Madou Traoré.
Pressionado, Finkel acabou admitindo que compusera um personagem a partir de relatos de jovens escravos, entre eles Malé e Traoré. Forçou a barra, em suma, inventando um perfil, apresentado ao leitor, no entanto, como um indivíduo real.
O caso lembra outro, célebre, de 1981, quando Janet Cooke, então no "Washington Post", ganhou o Prêmio Pulitzer por uma reportagem publicada no ano anterior cujo protagonista era um viciado em heroína de oito anos de idade, personagem inventado por ela.
Pode parecer óbvio, mas vale a pena afirmar que os dois casos, de Pearl e de Finkel, ambos excepcionais, devem servir de lição para jornalistas e leitores.
No caso dos primeiros: a profissão, em muitos momentos, envolve riscos, de morte e de indignidade, sendo a primeira uma fatalidade, algo inevitável, e a segunda, a triste opção pelo embuste.
Para o leitor: há quem acabe, mesmo sem querer, sacrificando-se pela informação que você consome; nem por isso, deve-se aceitar de olhos fechados tudo aquilo que a imprensa oferece.



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