São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

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Precipitação


Cobertura do jornal sobre o noticiário político erra ao publicar informações incompletas e que ainda carecem da devida comprovação

A FOLHA PUBLICOU na quinta-feira, com o título "CPIs terminam com muitos indiciados e poucos punidos", um grande balanço dos resultados das três Comissões Parlamentares de Inquérito que dominaram o noticiário político ao longo do ano passado e deste primeiro semestre, as CPIs dos Correios, dos Bingos e do Mensalão.
Ficou claro para os que acompanharam as atividades dessas comissões que todas elas se renderam aos acordos partidários, e isso certamente contribuiu para tolher as investigações. A imprensa tem uma responsabilidade parcial nos resultados frustrantes das CPIs. Em raros momentos ela conseguiu escapar da dependência das informações colhidas e manipuladas nos bastidores das comissões e avançar por conta própria.
Ainda agora vemos como a cobertura é falha. Nesta semana a Folha publicou duas reportagens que ilustram bem as nossas deficiências.
Na segunda-feira, o jornal publicou um texto falho a partir do título -"João Paulo pode ter recebido R$ 30 mil a mais de Valério". João Paulo Cunha (PT) é o ex-presidente da Câmara e Valério é o empresário Marcos Valério de Souza, que ajudou o PT a levantar recursos para distribuição entre parlamentares.
A reportagem se desmancha já no título, que usa o verbo poder como uma possibilidade, mas sem nenhuma segurança. O título já deixa claro que não tem provas. É até possível que o deputado tenha realmente recebido mais dinheiro do esquema, mas as investigações dos técnicos da CPI dos Correios que abasteceram a Folha ainda não comprovam. Na quarta-feira, o jornal publicou uma longa carta do deputado que contesta a reportagem. Não vou entrar no mérito dos argumentos dele, que exercia ali o legítimo direito de defesa e que, se estiver mentindo, mais cedo ou mais tarde será desmentido pelas provas que aparecerão. Mas ele tem razão quando diz que o emprego do verbo "poder" neste caso indica "conjectura".
Outro caso parecido ocorreu na edição de sexta-feira, numa reportagem sobre a "lista de Furnas". A lista é um documento contestado com uma relação de políticos da oposição que teriam se beneficiado de verbas desviadas de Furnas para a campanha eleitoral de 2002. A oposição acusa o governo de ter forjado a lista, que é objeto de investigação da Polícia Federal.
A reportagem da Folha -"Cópia da lista de Furnas difere do original"- é baseada numa "carta apócrifa". Um jornal como a Folha não pode publicar uma reportagem baseada em "carta apócrifa".
Recebi do editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, a seguinte explicação: "A informação de que o original da lista de Furnas periciado pela PF não é igual ao xerox que o lobista fez circular no final de 2005 foi apurada pela Folha. O jornal não se baseou na carta apócrifa, mas em investigação própria com outras fontes. A carta "apócrifa", que, segundo afirma a mesma reportagem, foi escrita por assessores do PSDB mineiro, apenas registra a mesma informação. Talvez o texto não tenha deixado isso suficientemente claro".
Na minha opinião, o subtítulo e o texto deixam claro que a fonte do jornal é a tal carta.
Esses dois casos mostram como o jornal está sendo precipitado na publicação de informações não comprovadas. Nos dois casos relatados, ele tinha informações importantes para iniciar uma apuração própria em busca de provas. Mas preferiu publicá-las incompletas. O resultado é o descrédito.


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