São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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Imprensa e poder

Fábio Konder Comparato acaba de lançar "Ética - Direito, moral e religião no mundo moderno" (Companhia das Letras) e preside o Fórum da Cidadania pela Reforma Política criado pela OAB.  

OMBUDSMAN - Como avalia o papel dos meios de comunicação no mundo moderno?
FÁBIO KONDER COMPARATO
- Não podemos esquecer que os meios de comunicação de massa modernos são uma forma de poder. Eticamente, todo poder tem que se submeter aos grandes princípios políticos, notadamente aos princípios republicano e democrático. De modo geral, os grandes veículos de comunicação de massa são empresas sob controle de empresários e eles se lançam nesse terreno, a meu ver, menos para ganhar dinheiro do que para exercer poder. Ora, é muito difícil que, ao assim proceder, os empresários ajam com verdadeiro espírito republicano, vale dizer, pondo o bem comum do povo acima dos seus interesses particulares. Então, seria indispensável que nós estudássemos alguns instrumentos para a realização de um controle republicano do poder dos meios de comunicação de massa.

OMBUDSMAN - O senhor defende um controle feito pela sociedade ou pelo Estado?
COMPARATO
- No caso dos jornais, o que me parece muito importante é o alargamento do direito de resposta. Digamos que um jornal faça uma campanha que se julgue discriminatória em relação a determinada parcela da população. Teoricamente, salvo quando existe crime ou dano civil, há intervenção da autoridade pública e do Ministério Público. Mas o que se quer é uma discussão pública do assunto. As ONGs que representam esses interesses coletivos deveriam ter direito de resposta. Afinal das contas, embora os jornais não se utilizem, como o rádio e a televisão, de um espaço público, ou seja, de um espaço que pertence ao povo, eles exercem poder sobre a opinião pública.

OMBUDSMAN - Como o senhor avalia a imprensa brasileira na cobertura política?
COMPARATO
- Está faltando uma visão que ultrapasse o nível da representação política. É claro que esta não pode ser descartada e deve ser aperfeiçoada. Mas o fundamental é introduzir a democracia direta ou participativa. O povo deve ter o direito de decidir o futuro do país. As decisões a esse respeito não podem ser tomadas exclusivamente pelos chamados representantes do povo. A política de endividamento público, por exemplo, representa a maior transferência de renda dos pobres para os ricos que esse país já conheceu. A Folha tem tocado muito nesse ponto, mas o que falta é ir até o fundo, ou seja, isto tem que ser decidido pelo povo. Esse é o sentido maior que falta dar aos jornais. Eles exercem freqüentemente uma crítica importante da ação dos agentes públicos, mas de natureza em geral negativa. Falta desenvolver uma crítica propositiva, apresentando e discutindo soluções para os problemas do país.

OMBUDSMAN - A imprensa tem contribuído para manter o cidadão bem informado?
COMPARATO
- Ela se preocupa com os escândalos políticos, porque eles rendem discussão. Mas eu não vejo, com raras exceções, um trabalho reflexivo para reformar em profundidade o sistema político nacional. É preciso discutir sobre a etiologia da moléstia. Nós estamos numa fase de doença ética. Precisamos saber as suas causas, a fim de decidir a terapêutica a adotar.


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