São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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A bactéria que não houve

Uma precipitação ou uma falha de comunicação -ou as duas coisas juntas, não se sabe ainda ao certo- acabou gerando, no início da semana, um caso jornalístico memorável, proporcionado em especial pelo jornal "O Globo" e pelo "The New York Times".
No sábado (20), o jornal do Rio escancarou manchete de duas linhas, com letras garrafais, na sua primeira página: "Sede do NY Times no Rio recebe carta com bactéria".
Referia-se a correspondência entregue à representação do diário norte-americano supostamente com "esporos como os do antraz", segundo relato feito no dia anterior, na internet, pelo próprio jornal de Nova York. Este, por sua vez, teria se baseado em parecer da Fiocruz.
No domingo, o desmentido, também duas linhas na capa: "Carta ao "New York Times" não tem bactéria antraz".
O "Jornal do Brasil" também deu manchete (menor) ao assunto no sábado e publicou no dia seguinte a negativa, com menos destaque.
A Folha, em sua edição nacional do sábado, foi mais discreta, mas trouxe título de conteúdo semelhante ao do "Globo": ""NY Times" no Rio de Janeiro recebe carta com bactéria"; providencialmente, trocou o título, na edição SP, para "Rio investiga carta com bactéria...".
Tão discreto quanto a Folha, mas mais cauteloso, foi o "Estado de S. Paulo": ""N.Y. Times" relata envio de antraz a seu repórter no Rio".
Por trás dessa confusão esteve, ao que tudo indica, um mal-entendido entre o escritório do "NYT" e a Fiocruz, que nega ter informado ao jornal que havia no envelope uma bactéria semelhante ao antraz.
Além disso, é difícil supor que o "Globo" tenha bancado tão vigorosa e arriscada manchete sem o respaldo de alguma opinião oficial.
A atitude do jornal do Rio, de todo modo, ao publicar de imediato a negativa com destaque proporcional à notícia não-confirmada da edição anterior, merece registro positivo.
Contam-se nos dedos de uma mão os exemplos de retratação tão imediata e clara por parte da imprensa.
O episódio deve servir de lição na cobertura do bioterrorismo, que já vinha padecendo de boa dose de sensacionalismo -ingrediente que só favorece quem quer criar o pânico. Em casos como esse, nem mesmo eventuais palavras oficiais podem ser definitivas. O melhor, mesmo, antes de publicar qualquer coisa, é aguardar o martelo final dos cientistas.



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