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Procura-se um motorista
RENATA LO PRETE
Na quinta-feira, Fortunato
Badan Palhares falou à CPI do
Narcotráfico. Na sexta, a Folha
concluiu, em seu título de capa,
que o depoimento fez crescer as
suspeitas da comissão contra o
legista. Na página interna, o
enunciado foi semelhante: disse
que o interrogatório "reforçou
as suspeitas".
Se houvesse motivo para crescimento ou reforço, seria uma
notícia e tanto, dada a expectativa que antecedeu a aparição
de Palhares diante dos deputados.
Mas os títulos não encontravam sustentação nem na reportagem nem no que TV e rádio
haviam apresentado na véspera.
Encerrada a sessão na Câmara, já na madrugada de sexta,
tudo estava rigorosamente na
mesma. O que se
falou ali sobre Palhares já era mais do
que sabido. Ele não caiu
em contradição relevante e
se safou como pôde das perguntas que não tem como responder.
Com ou sem depoimento, nada resta da reputação profissional do legista. Foi demolida
junto com as conclusões de vários de seus laudos (o mais famoso deles, sobre as mortes de
PC Farias e Suzana Marcolino,
ruiu por força do trabalho da
Folha).
Mas a CPI ainda não apresentou evidência de sua principal
acusação contra Palhares, a de
que venderia laudos para o crime organizado.
Portanto, até que surjam novos elementos a linha adotada
nos títulos está equivocada, servindo apenas para fazer coro à
incontinência verbal dos membros da comissão.
"Badan é um mentiroso que
vende laudos por encomenda",
afirmava um deles na reportagem. "Não há imperícia, mas
má fé", completava. Com tantas
certezas, quem precisa de fatos?
O exemplo serve para ilustrar
como vem sendo feita a cobertura jornalística das apurações
conduzidas pela CPI.
Seus parlamentares começaram a trabalhar sem conseguir
atenção dos pares no Congresso,
do governo ou da imprensa. Obtiveram a cassação de um deputado federal (Hildebrando Pascoal, do Acre, preso) e de um estadual (José Gerardo de Abreu,
do Maranhão).
A virada se deu com o depoimento do motorista Jorge Meres
Alves de Almeida. O ex-integrante de quadrilha nomeou alguns dos supostos líderes do crime organizado, entre eles o deputado Augusto Farias, irmão
de PC.
As informações de Almeida
permitiram desenhar elos entre
investigações em curso nos Estados e deram à comissão a visibilidade que tem hoje. Seus pedidos de prisão alcançaram as
manchetes. Seus membros foram recebidos por FHC.
Exceto por uma ou outra reportagem isolada, a imprensa
chegou atrasada ao assunto. Na
Folha, ele só ganhou destaque
quando já não era mais possível
ignorar a repercussão dos passos
da CPI.
Nas últimas duas semanas, o
jornal fez tentativas de ir além
da pauta oferecida pelos deputados. Preparou reportagens sobre roubo de cargas e sobre os
negócios da droga na fronteira
amazônica.
Os esforços resultaram em
uma espécie de radiografia de
cada um dos temas, mas não
chegaram a puxar novos fios de
investigação.
Até agora, assim como os outros jornais e as revistas (escrevo
na noite de sexta-feira, antes de
conferir as edições deste fim-de-semana), a Folha se movimenta
a reboque da comissão.
Isso faz com que fique presa às
declarações dos deputados, reproduzidas com peso de notícia.
"CPI ameaça pedir intervenção
em SP." O jornal sabe que a intervenção na polícia paulista,
ainda que viesse a ser pedida,
teria chances praticamente nulas de ser autorizada. Mesmo
assim, dá título destacado para
a queixa.
TV ou rádio são essenciais para entender o que se passa na
CPI. Não que apresentem noticiário mais equilibrado, pelo
contrário. Mas permitem acompanhar os depoimentos, que são
um espetáculo (no mau sentido).
Salvo pelo comentário de um
ou outro colunista, quem apenas lê jornais não tem idéia do
despreparo com que os interrogatórios são conduzidos.
Nos textos isso mal aparece.
Ninguém quer ferir suscetibilidades e ser tratado a pão e água
por deputados que têm em
mãos sigilos bancários quebrados.
Não se trata de diminuir a
importância da ofensiva
dos parlamentares contra a indústria do
crime, nem de lhes tirar o crédito por terem perseverado quando ninguém dava
atenção ao que faziam.
Mas o jornal tem de encontrar
um meio de levar a CPI a sério
sem aderir à agenda dos deputados, nem à multiplicação de
títulos do gênero "pede prisão
de 50" e "quebra sigilo de 30",
de muito barulho e pouca consequência.
É curioso notar que esta comissão, assim como a do esquema PC, tem um motorista em
seu caminho.
A diferença é que o atual foi
apresentado ao público pelos
deputados. Eriberto França, o
que revelou segredos da Casa da
Dinda, surgiu por obra de uma
revista ("Isto É").
Na cobertura atual, a imprensa ainda não encontrou "seu"
motorista. Se descobrir veios
próprios de investigação, a Folha estará fazendo sua parte para que esta CPI não acabe como
tantas outras, frustrando o anseio do leitor.
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