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SUZANA SINGER - ombudsman@uol.com.br - @folha_ombudsman

Notícias de um mundo perfeito

Algumas reportagens ignoram o contraditório, exageram nos elogios e acabam parecendo propaganda

DE TÃO POSITIVAS, algumas reportagens levantam suspeitas nos leitores. "É matéria paga?", perguntou o revisor aposentado José Paulo Ferrer, 63, depois de ler, em "Cotidiano", sobre um plano de saúde voltado para idosos.

O Prevent Senior, segundo o que foi publicado no último dia 19, diferencia-se dos demais convênios por querer segurados mais velhos ("Empresa dá consulta preventiva e atividade física para idosos"). A fotografia que ilustrava a reportagem mostrava duas senhoras, com a camiseta do plano, fazendo ginástica.

A reportagem não ouviu usuários; o único entrevistado era o diretor-executivo da empresa. "Sou conveniado desde 2009 e nunca me sugeriram uma consulta", diz Ferrer.

Com alguns cliques no computador, seria possível encontrar três queixas relacionadas ao plano, publicadas na própria Folha.com, e o número de registros no site Reclame Aqui (368 em um ano).

Com uma saída de carro, daria para entrevistar alguns usuários. "Gosto muito do convênio, sou bem atendida. Passei no geriatra, que me encaminhou para fazer pilates e para um psicólogo", conta a aposentada Sarah Ciavatta, 58, abordada em uma clínica nos Jardins (SP).

A editora de "Cotidiano", Denise Chiarato, reconhece que publicar a reportagem sem ouvir usuários não foi o mais adequado, mas explica que a experiência do Prevent Senior foi apresentada em um seminário em Nova York como um exemplo de inovação. "O plano, segundo a Agência Nacional de Saúde, foi pioneiro em focar o público idoso e não aparece entre os líderes de reclamações dos usuários", afirma.

DELÍCIA DE EMPRESA

Outra notícia do mundo perfeito saiu no domingo passado em "Mercado": "Melhor empregadora é pouco conhecida". Sob o título "empresa dos sonhos", um quadro descrevia as benesses que o SAS, fabricante de softwares corporativos, concede: academia de ginástica, 15 restaurantes, spa, campo de beisebol...

A empresa, eleita a melhor para trabalhar pela revista "Forbes", pagou a viagem do jornalista da Folha à Carolina do Norte (EUA), onde ele falou com o fundador da companhia, mas não com funcionários. Mesmo assim, concluiu que, apesar de os benefícios serem pagos, "os empregados parecem não se incomodar com isso".

O editor de "Mercado", Raul Juste Lores, defende a reportagem. "Os rankings de 'melhores lugares para trabalhar' são feitos com base em entrevistas anônimas de funcionários. Ouvir um ou dois empregados, que poderiam aproveitar para fazer média com a empresa, não melhoraria o resultado final", diz.

Lores considera o texto "balanceado" e acha "desrespeitoso" sugerir que o repórter "foi para lá por conta de release e comprou uma propaganda da empresa".

O editor aponta uma "persistente e arraigada visão antiempresarial". "Se o texto deslumbrado enfoca um artista, um esportista ou um político, ninguém fala em release. Diversos bons furos de negócios ou reportagens sobre o interior das empresas são menosprezados."

Não se trata de ser contra empresas, mas de ser a favor do jornalismo com contraponto. Já que fomos até lá, valeria, sim, a pena conversar com empregados e, com algum esforço, tentar encontrar, nas redes sociais, ex-funcionários que pudessem contar suas experiências.

A boa notícia para o leitor da Folha é que os casos acima são descuidos. Respondendo à pergunta do leitor Ferrer, não se trata de "matéria paga", mas de reportagem mal apurada. Ruim, mas honesta.

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