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Enrolados

Imprensa está cautelosa na cobertura dos 'rolezinhos', mas tece teorias sem ouvir os personagens principais

Gato escaldado tem medo de água fria. Depois de errar feio no início da cobertura dos protestos de junho, a imprensa está bem mais cautelosa com os "rolezinhos" nos shoppings da periferia.

Na Folha, a palavra "arrastão" sumiu rapidamente do noticiário, substituída por "encontro de jovens". Em editorial publicado no segundo dia do ano, o jornal afirma que o fenômeno, que foge a "classificações estabelecidas", traça um "retrato nítido do Brasil de nossos dias".

Anteontem, criticou a polícia e o Judiciário por tentarem impedir os "rolezinhos", que começaram com "caráter festivo e despretensioso".

É um tom completamente diferente do adotado no editorial "Retomar a Paulista", de junho de 2013, quando os ativistas foram definidos como "jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária".

Pode-se argumentar que são notícias diferentes --no ano passado, havia vandalismo; agora, sustos e ameaças--, mas eram ambos fenômenos desconhecidos e, desta vez, felizmente, não houve pressa em colocar uma tarja no movimento.

Tal precaução não se justifica, porém, na reportagem. O jornal foi muito lento. O primeiro encontro aconteceu em 7 de dezembro, mas só 39 dias depois foram publicados depoimentos de jovens da periferia. Antes disso, não havia nem aspas ligeiras de participantes do "rolezinho" --a única tentativa de interpretar o que estava acontecendo foi uma boa reportagem que relacionava essa galera ao "funk ostentação", mas sem ouvir os seus integrantes.

Isso significa que o primeiro editorial e a opinião de vários colunistas, não só da Folha, foram escritos com base em suposições, em interpretações assentadas basicamente na descrição de como esses jovens se vestem.

Sem ouvir os protagonistas, foi dito que eles eram "baderneiros", incapazes para o convívio social e, no outro extremo, que protestavam contra o "apartheid" que impera em São Paulo. Alguns deduziram que se tratava apenas de uma brincadeira juvenil, outros enxergaram uma reivindicação de negros e pobres por espaço e visibilidade.

Na Folha, o silêncio foi rompido na quarta-feira passada, com as entrevistas de alguns dos organizadores dos eventos, que explicaram a origem dos "rolezinhos": encontro de fãs, marcados pelas redes sociais, com a intenção de "zoar".

A reportagem foi importante porque esclareceu que não havia intenção contestatória nas primeiras reuniões, mas faltou mostrar o que pensam esses garotos. Não deu para entender nem mesmo por que alguns viram ídolos das meninas, já que não parecem ter nenhum talento especial, além da arte do xaveco.

O outro lado da moeda também foi mal apresentado. Os frequentadores desses shoppings, que aparecem nas reportagens criticando os "rolezinhos", não são os clientes do Iguatemi, do JK ou do Higienópolis, centros de compras sempre citados nas páginas do jornal.

Os "rolezinhos" aconteceram, até agora, no Campo Limpo, em Itaquera, em Guarulhos e no Tucuruvi, longe da área nobre. Quem se assustou e defendeu a proibição dos encontros não parece ser muito diferente dos que foram lá em bando. "Gosto de rolezinhos', mas não da parte em que ninguém respeita ninguém. Tem que ser sem roubo nem intriga", disse uma garota de 15 anos ao "G1".

Outro chavão que ganhou força nas análises é culpar a falta de opção de lazer na periferia, mas ninguém perguntou isso aos jovens. Se houvesse museus, teatros, parques, eles abririam mão dos "rolezinhos" nos shoppings? Nos bairros ricos, há tudo isso por perto e, mesmo assim, a garotada não sai das praças de alimentação.

Com reportagem, é possível desmontar estereótipos, esvaziar teorias frágeis e ajudar o leitor a se posicionar em meio ao tiroteio ideológico. Só que precisa gastar sola de sapato e chegar às franjas da cidade, mesmo quando não há chacina ou desabamento.

Em um texto muito lúcido, o ex-repórter da Folha Leandro Beguoci, criado em Caieiras, resumiu a questão: "Na área delimitada pelos rios Tietê e Pinheiros, a periferia ainda é um sujeito desconhecido. É uma espécie de Cazaquistão que fala português" (http://www.oene.com.br/rolezinho-e-desumanizacao-dos-pobres). Já passou da hora de a Folha investir para ampliar as fronteiras da sua cidade-sede.


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