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Tribunal de grandes causas

SUZANA SINGER - ombudsman@uol.com.br - @folha_ombudsman

Folha avança o sinal e acusa ministro do STF de agir em benefício próprio; cobertura da guerra no Judiciário não pode se resumir a heróis versus vilões

O tempo esquentou às vésperas do Natal na suprema corte brasileira. Na noite de segunda-feira, último dia antes do recesso, dois ministros concederam liminares que dificultam a investigação de juízes.

Marco Aurélio Mello limitou os poderes do Conselho Nacional de Justiça, ao definir que o órgão precisará aguardar apurações conduzidas pelas corregedorias estaduais, e Ricardo Lewandowski brecou investigações em curso.

A Folha foi além de noticiar as liminares: afirmou, em manchete, que Lewandowski agiu em benefício próprio. Sua decisão suspendeu, entre outras, inspeções no tribunal de São Paulo que focam o pagamento de somas consideráveis de pendências salariais referentes à década de 90. Como ex-desembargador em São Paulo, Lewandowski, assim como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, receberam esse dinheiro.

Os pagamentos são legais, mas há suspeitas de que alguns beneficiários foram privilegiados: ganharam antes dos demais e de uma só vez -em 17 casos, foram pagos até R$ 1 milhão para cada um.

Em nota, o ministro negou que tenha agido em causa própria já que o CNJ não tem poder de investigá-lo. Afirmou também que recebeu os passivos atrasados em parcelas.

Peluso subiu o tom e falou em "covardes e anônimos vazamentos veiculados pela mídia", uma clara referência à Folha, que revelou também que ele recebeu R$ 700 mil.

Tudo indica que houve um exagero interpretativo na formulação da manchete de quarta-feira ("Ministro do STF deu liminar que o beneficia"). No dia seguinte, a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, explicou que estavam sendo analisadas apenas as folhas de pagamento de 2009 e 2010, o que exclui os dois ministros do Supremo, que nessa época não atuavam mais em São Paulo.

Além da ânsia acusatória, a Folha foi pouco transparente, ao não publicar essa parte da fala da corregedora. O único erro que o jornal admitiu foi em um pequeno título, dentro de um quadro, que se referia a Lewandowski como "alvo da investigação do CNJ".

A Secretaria de Redação afirma que a manchete está correta. "O ministro Lewandowski suspendeu uma investigação cujo objetivo é apurar se houve irregularidade na maneira como o tribunal de São Paulo fez pagamentos a vários juízes nos últimos anos. Como ele recebeu parte desse dinheiro, é possível que os corregedores se deparassem em algum momento com problemas nos seus pagamentos. Com as investigações paralisadas pela liminar, esse risco desapareceu", afirma.

A conclusão precipitada sobre as razões do ministro tirou o foco da discussão principal: por que, no apagar das luzes, o STF decide colocar freios no órgão de controle do Judiciário? Tanto que o ministro Marco Aurélio Mello, cuja liminar é mais danosa ao CNJ, sumiu temporariamente das páginas do jornal.

Outro problema dessa cobertura é o maniqueísmo. A história que se tem contado é a da brava corregedora disposta a enfrentar os "bandidos de toga", sem levar em consideração os argumentos de quem vê no Conselho ímpetos policialescos.

A discussão sobre "quem fiscaliza aqueles que nos julgam" é essencial numa democracia e não pode ser feita intramuros. Se o Judiciário é refratário a prestar contas à sociedade, resta à imprensa correr atrás de vazamentos. Mas é necessário redobrar os cuidados, porque, em guerras, como a que se trava na magistratura, não há informação desinteressada.

O dado de que o CNJ inspecionou 217 mil pessoas do Judiciário também foi contestado, desta vez por Eliana Calmon. Segundo a corregedora, esse número é um exagero, divulgado pelas associações de juízes, "maledicentes e mentirosas", interessadas em fazer parecer que ela promove uma devassa indevida.

Denunciar falcatruas de ministros e integrantes do governo é fácil - a verba de propaganda oficial não é, como muitos pensam, fundamental na sobrevivência dos grandes órgãos de imprensa.

Já colocar a mão no vespeiro do Judiciário, principalmente nas vísceras da mais alta corte do país, requer muita coragem. Isso a Folha tem, mas não pode agir como franco-atiradora.

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