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A 'imprensa burguesa' no campus

SUZANA SINGER ombudsman@uol.com.br @folha_ombudsman

No debate polarizado sobre a USP, a Folha poderia ter investigado mais e ajudado a combater generalizações

Os estudantes revoltados da USP invadiram o noticiário na semana passada e ocuparam as primeiras páginas com seus rostos cobertos e um radicalismo juvenil. Na terça-feira, foram vistos rendidos pela Tropa de Choque, mãos atrás da cabeça, a caminho da delegacia.
A reação da opinião pública -leitores, colunistas e editoriais- foi de repúdio veemente aos alunos, chamados de "delinquentes mimados", "playboys" e "bebês da USP".
A decisão de ocupar a reitoria foi antidemocrática, os invasores não se preocuparam em defender publicamente suas posições, mas a reação foi desproporcional.
A notícia parece ter destampado uma fumaça de antipatia pela melhor universidade do país, vista como "ilha da fantasia": uma enorme área verde, na cinzenta São Paulo, aberta só aos que têm carteirinha, que, insatisfeitos em estudar de graça, aprontam sempre que possível. Nesse cenário polarizado, caberia à imprensa ir fundo, investigar e desfazer preconceitos. Resgatar a racionalidade perdida.
Parece que a maior parte da comunidade universitária defende a presença da PM no campus (para ter certeza, só com uma pesquisa), mas será que os policiais estavam agindo corretamente? Há relatos de que eles revistavam mochilas, abordavam pessoas lendo ou conversando, davam incertas dentro das moradias estudantis.
A própria reitoria admitiu que o convênio com a Secretaria da Segurança Pública precisava ser "aperfeiçoado", mas, em vez de levantar como foi o treinamento e a orientação dados aos policiais, o noticiário foi tomado por um bate-boca sobre a liberalização de drogas na Cidade Universitária, com a acusação de que os uspianos se consideram acima da lei.
"Quando surgiram as primeiras notícias, achei absurda a mobilização estudantil, parecia que eles só queriam continuar fumando maconha em paz. Depois da desocupação da reitoria, fui às assembleias e soube de desmandos da polícia. Não mudei de opinião, não inventaram nada melhor que a polícia para pôr nesse lugar, mas certas colocações dos alunos fazem sentido. Isso não apareceu na grande mídia", diz o professor de geografia Carlos Santos Machado Filho, 32, aluno de pedagogia na USP.
Não deu para entender direito também quem são esses ultrarradicais que xingam colegas do PSOL e do PSTU de "cabo Anselmo". Perfilá-los não era mesmo fácil. Eles trataram mal os jornalistas, com silêncio, empurrões e pedradas. "É proibido passar informação para a imprensa burguesa", anunciou uma estudante às repórteres da Folha, na porta da reitoria ocupada.
Sem um discurso articulado dos invasores -"Ocupe a reitoria que existe em você" era um dos slogans -, todo tipo de preconceito veio à tona. Eles seriam adolescentes mal-agradecidos, educados com o dinheiro dos impostos que todos nós pagamos. Em artigo na sexta-feira, a advogada Janaina Conceição Paschoal critica os jovens revoltados que "ostentaram roupas de grife e automóveis novos".
É uma generalização estranha, porque os alunos de maior poder aquisitivo estão, em geral, nos cursos de engenharia, economia e medicina, não em filosofia, ciências sociais, história e letras, de onde saíram os indignados.
Agora que os rostos apareceram, a reportagem poderia descobrir onde moram essas pessoas, como se sustentam e o que pensam. "Dizer que a USP atende só à elite é uma crítica despreparada e desrespeitosa. A discussão sobre o que ocorreu na universidade está reducionista e mesquinha", critica Emídio Marques de Matos Neto, 32, doutorando em biologia celular na USP, que se opôs à ocupação da reitoria.
A Folha teve o mérito de não contaminar as reportagens com opinião, mas não conseguiu clarificar o debate nem combater as generalizações. O jornal poderia ter se esforçado e feito a diferença, tem know-how para isso. A discussão sobre o que ocorre na Cidade Universitária, como se viu pela repercussão, não interessa apenas aos que estudam e trabalham ali.

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