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Opinião

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José Paulo Cavalcanti Filho

TENDÊNCIAS/DEBATES

A Lei da Anistia deve ser revista?

não

Com os olhos no futuro

A questão proposta pela Folha tem duas dimensões distintas. Uma primeira, que parece consensual (ou quase), é moral. A compreensão de que alguns delitos alcançados pela Lei da Anistia, como tortura ou morte de pessoas indefesas (sob guarda do Estado), estão abaixo dos limites da dignidade humana. O que importa dar relevo ao conhecimento da verdade. Para conhecer autores e cúmplices. Quem são os verdugos. Quem lhes deu ordens de torturar ou matar. Ou fechou olhos, perante dor tamanha. Para que sejam julgados, em nossas consciências, a grandeza da vilania e o opróbrio do horror.

Outra, menos simples, é discutir a revisão da lei. Nesse campo jurídico, três argumentos são usualmente referidos nesse sentido. A ver.

O de que, pela grandeza da desumanidade, esses crimes seriam imprescritíveis. Tese difícil de prosperar entre nós. Porque o Brasil não subscreveu a Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade (de 1968). Nem tratados internacionais podem criminalizar ato nenhum, posto só conferir direitos e garantias individuais --assim está em nossa Constituição (arts. 5º e 60). E porque essa Constituição refere como imprescritíveis apenas racismo e crimes contra a ordem constitucional e o Estado democrático.

Do que se têm que isso teria que se dar com alteração legal. E sem recorrer à retroatividade --o que, na essência, importaria revogar (art. 28) a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (de 1969). E cláusula pétrea da Constituição (art. 5º), segundo a qual "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". No cumprimento do princípio da legalidade, base de qualquer modelo jurídico democrático --presente na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. XI) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 9º).

O de que algumas ações de repressão não poderiam ser consideradas crimes conexos. O que nos leva a definir se os agentes da repressão atuavam por razões políticas ou pessoais. Considerando-se como pessoais a maldade humana em quaisquer de suas desalentadoras variações. Devendo por oposição, e mais propriamente, ser consideradas como razões políticas tudo o mais --embora, é verdade, alguns torturadores tenham se fartado, alegremente, no exercício de suas taras.

O terceiro argumento é o de que devemos aplicar as sentenças dos tribunais internacionais --mais especificamente, os da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Mesmo tendo nossa adesão à corte (em 2001) se dado só "para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998". Apesar dessa precondição, tem sido referida a sentença do caso Gomes Lund x Brasil (e mesmo um antecedente similar, o caso Almonacid Arellano x Chile). Reconhecendo a corte não poder atuar em algumas situações (como a de Maria Lúcia Petit da Silva), mas admitindo atuar em outras --por considerar que um evento só se conclui até que se localize "o paradeiro da pessoa desaparecida" ou o inteiro esclarecimento dos fatos. Teses muito discutíveis.

Em posição contrária, e dando fundamento a não considerar que seja possível sua revisão, está o fato de que essa Lei da Anistia, no início ordinária (6683/79), foi elevada a regra constitucional pela EC 26/85. Sendo impróprio, à toda evidência, considerar que tivemos uma "auto-anistia". Porque dita emenda se deu em 1985. Com um presidente civil e num ambiente democrático.

No mais, o Supremo já reconheceu o "caráter bilateral da anistia, ampla e geral" (em 2010). Decorrente da especial natureza do processo de transição brasileira, substancialmente diverso do que se deu em países vizinhos. Uma transição negociada, na direção de uma democracia estável. Com olhos no futuro, pois. Assim seja. Mas sem esquecer o passado, em nossos corações. A verdade. Para que os anos de chumbo que vivemos não voltem a acontecer. Nunca mais.


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