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Matias Spektor

A responsabilidade de Dilma

A proposta para a criação da "responsabilidade ao proteger" tem potencial para se tornar a mais inteligente e ambiciosa marca da diplomacia de Dilma

A vida ficou mais dura para os ditadores do mundo. "Quando um governo ataca os próprios cidadãos, deve perder seus direitos soberanos", ouve-se nestes tempos revolucionários. A era das intervenções para a proteção de civis veio para ficar. Há muito para celebrar. Entretanto, os riscos proliferam.

O uso da força em nome de boas causas pode facilmente degenerar para imposição neocolonial: grandes potências decidindo onde e como intervir segundo o calendário eleitoral de seus líderes, buscando polpudos contratos de reconstrução e interferindo diretamente na política interna de países mais fracos. O caso da Líbia é ilustrativo.

A intervenção estrangeira ajudou a liberar a população. Mas também foi cheque em branco para que a Otan levasse a cabo uma campanha de bombardeios aéreos e usasse "forças especiais" em terra.

Numa livre interpretação das regras, as forças interventoras facilitaram a obtenção de armas pelos rebeldes, fazendo vista grossa ao embargo e ao cessar-fogo que deveriam guiar sua atuação.

Há, hoje, uma briga de foice a respeito das novas regras de intervenção. Sem alarde nem holofotes, a presidente Dilma entrou em campo. Em setembro passado, durante discurso de abertura na Assembleia-Geral da ONU, cunhou a expressão "responsabilidade ao proteger".

Há poucos dias, mandou apresentar ao Conselho de Segurança proposta para transformar o princípio em conceito operacional. A iniciativa tem potencial para se tornar a mais inteligente e ambiciosa marca de sua diplomacia.

Há ali uma proposta incipiente para proteger populações locais sem que o remédio da intervenção cause mais dores que a própria doença da repressão. Sugerem-se mecanismos para limitar a autoridade das potências interventoras e propõe-se um sequenciamento que torne o processo mais previsível.

Para vencer, a iniciativa brasileira terá de superar enormes resistências. Os países que estão trabalhando para expandir as intervenções -Estados Unidos, França e Reino Unido- não querem ouvir falar de freios. China e Rússia, por sua vez, terão problema com qualquer mecanismo preventivo.

Uns e outros dirão que a proposta brasileira dificulta o já tortuoso processo de gerar consensos no Conselho de Segurança.

Por isso, para ter êxito na empreitada, a diplomacia brasileira precisará fazer ajustes. Emplacar a "responsabilidade ao proteger" demanda alarde e holofotes. Além de conseguir a adesão de Alemanha, Turquia, Índia e África do Sul, Dilma pode levar o tema ao G20 e aos países do Brics.

Em março do ano que vem, quando visitará Obama, ela deveria chegar a Washington com um projeto afiado e negociado amplamente. Até lá, seus embaixadores ganhariam muito ao expor os argumentos à imprensa internacional.

Nada disso funcionará se a presidente não der antes uma guinada fundamental. Quando os conflitos de rua eclodiram na Síria, Brasília torceu por uma abertura política lenta, gradual e segura. Ciente do que poderia vir da Europa e dos Estados Unidos, foi rápida ao denunciar o apetite por sanções, punições e até mesmo por uma intervenção. A aposta brasileira falhou.

O regime em Damasco eliminou seu próprio espaço de manobra ao jogar a máquina de guerra contra o povo. Chamando a atrocidade pelo nome, Dilma estaria se qualificando para trabalhar na busca de soluções inteligentes.

Será nessa hora que os ouvidos ficarão atentos para a valiosa "responsabilidade ao proteger".

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