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Papéis trocados
Está em curso uma curiosa inversão de papéis nos palcos do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Na próxima semana, a corte deve decidir de forma definitiva se a Assembleia Legislativa paulista pode divulgar a remuneração nominal de cada um de seus funcionários.
Já existe disposição para tanto. Em junho do ano passado, a Assembleia informou que, em atenção à Lei de Acesso à Informação, disponibilizaria a "relação completa de seus parlamentares e servidores, com seus respectivos salários".
Três associações classistas recorreram ao Judiciário contra a medida. Sob a alegação de que deveriam ser preservadas a intimidade e a vida privada dos servidores, solicitaram que não fossem divulgadas num mesmo documento informações que identificassem pessoalmente os funcionários.
O Tribunal de Justiça, numa decisão provisória, acolheu o pedido dessas três entidades.
Salvo a boa surpresa de ter partido da própria Assembleia a iniciativa de jogar luz sobre seus escaninhos, não havia nesse enredo nada que o tornasse um caso "sui generis". Goste-se ou não de suas atuações, as associações classistas --na defesa corporativa-- e a Justiça --na proteção liminar-- fizeram apenas aquilo que delas se espera.
Não se pode dizer o mesmo do Ministério Público de São Paulo. Veio de um promotor e um procurador o gesto que conferiu caráter surreal a essa peça: em seu parecer, eles afirmam que o tribunal deveria dar razão aos servidores.
Ou seja, na disputa entre o pleito corporativista de alguns funcionários e a disposição de incrementar os controles sobre o Estado, o Ministério Público --órgão responsável pela proteção dos interesses da sociedade-- optou por defender o lado menos transparente.
A situação é ainda mais inusitada porque a Assembleia, em suas alegações judiciais, afirma, com razão, que "o modelo republicano impõe a divulgação ampla das informações referentes à remuneração dos servidores públicos".
O raciocínio é simples: o aumento da transparência favorece a identificação de mau uso do dinheiro público, seja por ineficiência, seja por corrupção.
Trata-se de interpretação que o Ministério Público deveria abraçar, e não combater no plano das ideias e das ações --vale lembrar que, em maio, reportagem desta Folha mostrou que o órgão tem criado barreiras à Lei de Acesso à Informação no que tange aos salários de seus próprios membros.
O Poder Judiciário, no que também representa louvável novidade, tem se revelado defensor da Lei de Acesso. Está nas mãos dos desembargadores paulistas a oportunidade de manter acesas as luzes dessa cena pública.