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Carlos A. C. Lemos

Reflexão sobre a memória nacional

O ponto de vendas construído no edifício Esther, obra-prima tombada de Álvaro Vital Brazil, é um pequeno mas grave exemplo de omissão estatal

O instigante e oportuno artigo do professor Jaime Pinsky "O pecado original" (publicado em 26/7) trata do "inaceitável distanciamento" no Brasil entre Estado e nação.

Em suas palavras, a massa populacional estaria julgando-se apartada do Executivo, do Legislativo e do Judiciário por não ter existido aqui um "povo com consciência de sua identidade", ao contrário do que aconteceu na maioria dos países.

Acontece que há uma explicação para esse fato: estamos na América, no novo mundo, onde quase todos os países têm na sua composição populacional imigrantes de diferentes origens chegados em ondas ininterruptas, atraídos por variadíssimas notícias de ganhos impossíveis em suas terras.

Na fatalidade da condição americana, é muito difícil existir uma consciência de identidade cultural enquanto continuamente a miscibilidade de sangues vai produzindo sociedades singulares em regiões ou países conforme a natureza dos atrativos econômicos ocorridos.

Em nosso trabalho de preservação do patrimônio cultural edificado, tentando resguardar arquiteturas variadas de antigamente e de hoje, constatamos que não há homogeneidade nos julgamentos a respeito da memória vista como constituinte de uma "identidade" nacional. Não existe uma só memória coletiva.

Esse fato faz com que seja penosa a tarefa de salvaguarda do patrimônio cultural tangível. As pessoas nem sempre conseguem enxergar importância em construções representativas de um determinado período ou estágio cultural de uma região receptora de imigrantes.

A memória é transmitida entre gerações de famílias --às vezes, muitas gerações, em outras ocasiões, muito poucas. Isso faz com que não haja uniformização de conceitos em uma comunidade a respeito de valores ou atributos de bens em geral.

Para sanar essa dificuldade, o Estado criou no Poder Executivo órgãos técnicos destinados a resguardar bens representativos da nossa cultura material, sobretudo os arquitetônicos, nos níveis nacional, estadual e municipal. Assim, a população passou a conhecer os chamados livros de tombo, nos quais ficam inscritos e protegidos para sempre seus bens julgados significantes.

Acontece, como disse o professor Pinsky, que a nação é composta de pessoas as mais variadas e alheias ao mundo dos políticos, donos das decisões do Estado. Toda essa população de pensamentos diversificados não tem por isso unanimidade no ajuizamento sobre os valores apontados pelos especialistas nessas coisas ligadas à memória, à história e às artes em geral.

É claro que a nação e o Estado não são estanques e a permeabilidade entre eles faz com que o controle sobre o respeito total que deve haver às decisões do tombamento muitas e muitas vezes seja relaxado e até esquecido numa cumplicidade de interesses pecuniários contrariados de personagens daqui e dali.

Nos mais de 50 anos em que lidamos nesse mister de defender nosso patrimônio arquitetônico, tanto no Condephaat, como no Iphan e no Conpresp, como conselheiro, cansamos de ver atuações incorretas de saudosistas ignorantes diante de monumentos protegidos e de ver também tolerâncias criminosas envolvendo até destombamentos.

Vemos displicências ou descuidos que demonstram total desrespeito a bens tombados, sem que ninguém reclame.

Há uma semana, passamos em frente ao edifício Esther, obra-prima do arquiteto carioca Álvaro Vital Brazil, modernidade funcionalista de 1936, mas portadora de estilemas art déco, tombada pelo Condephaat e pelo Conpresp e recentemente restaurada em suas cores originais.

Ela foi desrespeitada, arrombada em um segmento do térreo com sua vitrine substituída por uma "banca de feira livre" destinada à venda de guloseimas, aberta diretamente na calçada para pronto atendimento dos transeuntes. Atrevimento total. Esse ponto de vendas oportunista é, por acaso, clandestino? A prefeitura permitiu sua instalação?

Esse é um pequeno mas grave exemplo de omissão estatal.


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