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Antônio Carlos de Almeida Castro
A voz do Supremo
A voz do Supremo é que será ouvida nas ruas, não o contrário. O povo sempre clama pela mais dura "justiça" --contra o outro, claro
"Para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes". (Fernando Pessoa)
O país volta as suas atenções para o julgamento do apelidado mensalão. Nos anúncios de TV, é como se fosse a continuação de uma novela. Parte da imprensa começa a criar um clima para as sessões midiáticas. Grupos discutem o tema atentos ao que dizem ser o "chamado das ruas".
Diante da comoção, nós, operadores do direito, perguntamos: É possível julgar um processo criminal com o olhar voltado para a chamada voz das ruas? É possível a interpretação da Constituição ser feita com os olhos fechados e os ouvidos abertos aos ecos populares?
A resposta é simplesmente não! Vendados os olhos, aguçam-se os ouvidos e, não raro, o volume das vozes perturba a compreensão, turba a isenção, fulmina a imparcialidade.
Seria um atentado ao Estado democrático de Direito. É estarrecedora a hipótese. Numa consulta popular, seriam aprovadas a pena de morte, a castração química, o direito à tortura. O povo sempre clama pela mais dura e pesada "justiça" --contra o outro, claro.
Os movimentos de rua são um alento e um alerta. Existe uma consciência cívica que se difunde pelo país. Essa é a beleza da democracia.
O que antes era uma apatia tornou-se uma arma de mudança. A fadiga não levou, felizmente, ao esgarçamento da consciência nacional. Antes a despertou.
O Congresso Nacional tem que ouvir a voz da rua. O Executivo, redirecionar a sua agenda. E o Judiciário há que tornar-se mais célere e mais aberto.
Não cabe, porém, a este Poder escrever a Constituição, mas interpretá-la. No processo penal, o Judiciário não pode rasgar as provas e julgar de acordo com a tal vontade popular, que não conhece o processo nem o que foi ou não provado nos autos. A população conhece os processos rumorosos a partir das lentes e páginas que os retratam. E que nem sempre são isentas.
O devido processo legal é o parâmetro que garante a todos a certeza de que não seremos injustiçados, nem nós nem nossos adversários.
Todo cidadão tem que ouvir e respeitar o sentimento que brota de maneira tão intensa da população. Uma sociedade mais justa, plúrima e igual é o sonho que acalenta os homens desde sempre.
O que se espera neste momento de reflexão é que cada Poder, cada grupo social, cada um de nós cumpra seu papel de sujeito e não de objeto do sistema. Há que se exigir, gritar, reivindicar, mas também há que se respeitar institutos que foram arduamente consolidados em nossa ainda tênue democracia, tais como o devido processo legal, a presunção de inocência, a ampla defesa, a não condenação no processo penal por responsabilidade objetiva.
O pior juiz é o covarde, aquele que não tem coragem de julgar de acordo com sua consciência. É o que cede às pressões e não honra a toga que veste.
Do Supremo Tribunal Federal, espera-se que se faça ouvir e tenha voz própria, pautada na análise isenta e justa dos casos, corporificada nas linhas e letras da sentença. Seja ela qual for, terá nosso respeito.
A voz do Supremo é que será ouvida nas ruas, não o contrário. Nesse julgamento, espera-se antes a isenção da toga, a responsabilidade de honrar as tradições da Corte e o compromisso com os princípios constitucionais e humanísticos do que a tal voz das ruas.
Essa voz, embora deva sempre nos levar à reflexão, não pode pautar nossas consciências nem subverter a verdade. Porque, quando ela se calar, o silêncio será insuportável. Que os donos das vozes, aqueles que se manifestam nas ruas, saibam que, como no caso do moleiro alemão, há juízes em Brasília.