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Opinião

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Peter Demant

O ASSUNTO É A GUERRA NA SÍRIA

Um povo que deseja se libertar merece apoio

Aqueles que condenam qualquer atuação dos EUA fora de suas fronteiras devem ter claro que esse acordo é produto da ameaça militar

Na Síria, não há só um impasse, há dois: o que fazer diante de uma guerra civil cada vez mais mortífera? E como reagir ao ataque com gás letal contra uma população civil indefesa? A segunda questão domina hoje as manchetes, mas decorre da primeira, que a comunidade internacional há dois anos tenta ignorar.

É o pesadelo das armas de destruição em massa que tem causado a sombra da intervenção. Sem dúvida, uma solução negociada para destruir as armas químicas de Assad, como se propõe agora em acordo entre os Estados Unidos e a Rússia, é preferível a uma miniguerra impopular e de eficácia duvidosa.

Aqueles cujo reflexo condicionado é sempre condenar qualquer atuação dos EUA fora de suas fronteiras devem ter claro que esse acordo é produto da ameaça militar americana. A virada chega tarde, não só para os 100 mil mortos, mas também para evitar a infiltração, numa oposição inicialmente pacífica e democrática, de células jihadistas.

Isso leva ao segundo impasse. A guerra civil já está acontecendo e continuará também caso Assad não mais disponha de armas químicas. O mundo deve intervir no primeiro imbróglio para frear a proliferação de armas de destruição em massa (pense Irã). Mas deve também intervir contra a matança de crianças, mães, idosos e outros não combatentes, com bombas, metralhadoras e facas --para evitar que uma guerra bárbara se espalhe, atice a região e multiplique o terrorismo.

As torturas de uma população rasgada entre grupos étnicos e religiosos treinados para o ódio e a desconfiança já causam um "spillover" de milhões de refugiados. Podem atiçar uma conflagração regional que colocaria a paz mundial em risco. Fechemos os olhos e o turbilhão chegará mais perto de todos nós.

É também imoral: como acreditar que nosso mundo evoluirá se abandonarmos o outro em nome ou de um frio realismo político?

Uma mudança de regime despótico para um de autodeterminação é mais legítima quando obtida pelo povo. A Primavera Árabe mostrou a vontade das nações do Oriente Médio de forjar seu próprio destino. Mostrou também sua incapacidade para derrotar "anciens régimes". A sobrevivência (ou restabelecimento) do despotismo no Egito, Iêmen e Irã mostra as consequências do abstencionismo internacional. Mas o fracasso mais gritante é a Síria. Há casos em que obrigações morais transcendem a letra da lei internacional.

Nas discussões acerca de intervenções humanitárias, dois princípios se digladiam: a soberania do Estado e a responsabilidade do resto da humanidade. Muitas vezes os proponentes do primeiro ideal são tiranos odiados por seus súditos. E às vezes os interventores são imperialistas mascarando seus interesses sob uma linguagem ética.

É útil lembrar, porém, que a lei internacional não é uma lei divina, mas um produto de relações de poder. Trata-se de modernizá-la. Há 70 anos, o mundo tolerou o holocausto dos judeus. Paga até hoje com o interminável conflito Israel-Palestina. Há 20 anos, deixamos os ruandeses hutu massacrarem um milhão de tútsi. Ficamos com a vergonha. Agora ninguém pode mais dizer "não sabíamos".

Se os Estados soberanos que controlam a comunidade internacional não conseguem transformar sua estrutura em favor das populações democráticas, comprovam que o próprio Estado chegou ao seu limite. Melhor enfrentar a problemática hoje do que em 20 anos, quando o preço humano será ainda mais terrível.


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