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Vinicius Mota

Não viu a final

SÃO PAULO - "Só o Sócrates correu, né vô?". Lembro-me de ter feito o comentário depois de uma apresentação frustrante do Botafogo, no final dos anos 1970.

Não tenho memória do jogo. Aos cinco anos, estava preocupado em descascar os amendoins vendidos no estádio Santa Cruz, em Ribeirão Preto. E em abrigar-me sob as pernas dos adultos toda vez que uma bateria de fogos de artifício começava.

Mas a fama do jogador feioso e esguio já me dava repertório diante da cara de tacho dos familiares decepcionados. Os tempos eram outros, e a trajetória pessoal de Sócrates, que se dividiu nos anos de formação entre a escola de medicina e o futebol profissional, peculiar.

Não há hipótese, hoje, de um jogador de seu nível técnico ficar até os 24 anos num clube do interior. Tampouco se cogita de um time da província ostentar elenco que rivalize com os melhores do país. Isso ocorreu com o Fogão (não é "Botinha", imprensa da capital) de Zé Mário, Sócrates, Osmarzinho e Motoca.

Sócrates chegou ao auge nas temporadas de 1982 e 1983, com atuações memoráveis no Corinthians e na seleção brasileira. A jogada dele com Zico, que culminou no primeiro gol do Brasil contra a Itália no jogo em que seríamos desclassificados da Copa da Espanha, é uma obra-prima do esporte.

Foi da geração que começou a experimentar a abertura do mercado europeu. A Itália importou os craques brasileiros após o mundial de 1982. A passagem efêmera de Sócrates pela Fiorentina marcou o início de sua decadência no futebol.

Lembro-me de tê-lo visto atuar uma outra vez no Santa Cruz, já defendendo o Corinthians, contra o Botafogo. Estava endiabrado. A zaga não conseguia pará-lo sem dar botinada.

Morreu antes de ver a final do Brasileiro. Foi enterrado no Bom Pastor, perto de meu avô Mário, que confirmou meu palpite e o viu correr como ninguém naquele dia.

vinimota@uol.com.br

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