Ruy Castro

Punk de macaquinho

RIO DE JANEIRO - Entre os companheiros de café da manhã no hotel relativamente tradicional e classudo de Viena, há duas semanas, o casalzinho espanhol em lua de mel era previsível. Assim como uma família italiana patusca, já comendo macarrão às dez da matina, e o velho alemão e sua mulher, estes foragidos de algum romance de Erich Maria Remarque. Tudo nos lugares. Mas o jovem inglês punk tatuado, de cabelo groselha, brincos gigantes, daqueles que deformam as orelhas, e com 30 piercings no nariz e nas sobrancelhas, era surpreendente.

Não apenas isso, mas, pelo que se entreouvia de sua mesa, as mulheres que o acompanhavam eram sua esposa, a filhinha de cinco anos e a sogra, nenhuma das quais nem remotamente tacheada ou tatuada. Ao contrário, a esposa nem sequer parecia maquiada; a filha tomava Ovomaltine e a senhora usava vestido de florzinha. O que já não fazem como antigamente -punks ou famílias?

Horas depois, no Café Landtmann, antigo reduto de Freud, Mahler e Marlene Dietrich, lá estava de novo a família punk. Tudo bem, exceto que, no tempo de Freud, Mahler e Marlene, o Landtmann era um café boêmio, literário e musical, sem a opulência e o pedigree de hoje.

Mais tarde, em visita aos Kaiser-appartements -o palácio do imperador Franz Josef e sua mulher, Sissi, famosa pelos filmes estilo tampa de caixa de bombom com Romy Schneider, dos anos 50-, lá estavam de novo o punk e a família. Que eu vá visitar os Kaiserappartements, é normal (Romy Schneider foi uma das fixações eróticas da minha geração). Mas o que um fã dos Sex Pistols estaria fazendo lá?

À noite, no saguão do hotel, ao sair para a farra em Viena, fingi olhar para o teto ao ver o punk, com mulher, filha e sogra, todos de macaquinho verde, suspensórios e chapéu de peninha, rumo ao show de uma empolgante Família Trapp cover.