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Marcelo Ridenti

Vilões e heróis

Quando a sociedade vai se dar conta de que há algo de errado com um sistema que produz corruptos e corruptores em série?

Nas últimas semanas, o noticiário tem sido dominado no Brasil por vários casos de vilania ou heroísmo, dependendo do ponto de vista.

A começar pelos primeiros presos do famigerado processo do mensalão. Os conservadores se regozijaram com o acontecimento, os "corruptos do PT" finalmente estão atrás das grades. Para outros, ficou a sensação de que a velha máxima da política brasileira se cumpriu mais uma vez: para os amigos tudo, para os inimigos a lei.

A ferocidade do noticiário e as circunstâncias da prisão --algemas, show para a mídia, entre outras arbitrariedades-- suscitaram reação. Para uma parte da esquerda, eles se tornaram mártires, supostos heróis da resistência injustiçados pelas elites. Não faltaram os punhos cerrados nas fotos, mostrando mais uma vez que a tragédia se repete historicamente como farsa.

Talvez com a ilusão de que é possível evitar a roda-viva de gerar vilões e heróis, além de eventuais interesses comerciais, alguns artistas criaram o tão comentado grupo Procure Saber, que busca negociar autorização prévia para a publicação de biografias --posição com a qual é difícil concordar. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e demais colegas sentiram-se de repente na pele de Geni, personagem conhecida da canção de uma das peças de Chico, que oscila entre vilã e heroína. Em pouco tempo, eles passaram de vítimas de perseguição no tempo da ditadura a defensores da censura prévia no presente.

Brotou todo tipo de ressentimento contra essas celebridades, que não precisaram esperar a publicação de suas biografias para se tornarem vilões, ao menos por algumas semanas, até surgirem notícias mais frescas, ou nem tanto.

O corpo do ex-presidente João Goulart, deposto em 1964, foi finalmente levado de volta a Brasília. Recebeu todas as honras de Estado que até então lhe foram negadas. Dependendo da conjuntura e da correlação de forças políticas, sua figura pública já teve momentos de celebração (como na época da transição democrática, na esteira do filme "Jango"), e de linchamento político, como logo depois do golpe, quando Goulart era acusado pela direita de incompetência, corrupção e conivência com os comunistas, e pela esquerda por ter se mostrado um latifundiário incapaz de liderar a resistência ao golpe.

Recentemente entrou em cartaz nos cinemas um documentário sobre Sobral Pinto, um herói da direita --pois era católico fervoroso e conservador-- e da esquerda, já que se notabilizou por defender presos políticos durante o Estado Novo e na ditadura militar. Ele coroou sua imagem pública ao participar da campanha das Diretas-Já em 1984.

Mas o que diria sobre isso, se hoje ressuscitasse, um dos inúmeros mortos nas masmorras do governo de Arthur Bernardes, nos anos 1920, quando o procurador criminal da República e um dos principais responsáveis pelo sistema penal era ninguém menos que Sobral Pinto?

Naquela época, em "Bastilhas Modernas" (p.145, 151), Everardo Dias denunciou com todas as letras a cumplicidade do futuro defensor dos direitos humanos com as condições aviltantes de presídios onde Dias, Maurício de Lacerda e milhares de companheiros estiveram detidos. De herói a vilão pode ser um pulo, dependendo do instante político, ou da revelação de um fato em biografia ou reportagem, que nem por isso devem ser censuradas.

Novos candidatos a vilões ou heróis se sucedem no noticiário: integrantes dos "black blocs", magistrados, uma fila interminável de denunciados por esquemas de corrupção em todos os partidos e escalões de governo (quando a sociedade vai se dar conta de que há algo de errado com um sistema que produz corruptos e corruptores em série?).

Parafraseando Brecht, miserável o país que precisa de heróis. Duplamente miserável aquele que necessita ainda mais de vilões. Até quando o espetáculo vai continuar?


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