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Ruy Castro

Literatura no botequim

RIO DE JANEIRO - As instalações são de novo um luxo, restauradas às glórias de sua inauguração em 1876 -o teto de abóbadas, os lustres, as colunas, as tortas, a classe dos garçons. Entra-se no Café Central e volta-se no tempo, ao apogeu da Viena austro-húngara.

Só faltam hoje as pessoas que o frequentavam: Theodor

Herzl (1860-1904), fundador do sionismo; Alfred Adler (1870-1937), pai do complexo de inferioridade; o arquiteto Adolf Loos (1870-1933), autor de um prédio modernista que o imperador Franz Josef não suportava ver de sua janela no palácio e ordenou que não abrissem mais as cortinas. Sem falar naqueles três que, de 1907 a 1914, passavam o dia conspirando em torno de uma única xícara -Trótski, Lênin e Stálin.

E os escritores? Arthur Schnitzler (1862-1931), Hugo von Hofmannsthal (1874-1929), Karl Kraus (1874-1936), Robert Musil (1880-1942), Stefan Zweig (1881-1942). Onde já se juntou time igual? Sim, todos eram atrações fixas do Café Central, mas, em certo momento, eles iam aos casacos e voltavam para casa. A literatura exige um mínimo de recolhimento doméstico para existir.

Daí que, hoje, a estátua na entrada do Café Central seja a de outro daquela turma, mas quase sem obra: Peter Altenberg (1859-1919). Quando estive lá outro dia, isso me intrigou: por que, com tantos gênios como clientes, o Central foi homena-

gear um que passava 18 horas por dia em suas mesas, lendo jornais, piscando para as moças, filando cigarros, bebendo fiado e conversando idem -sem escrever?

Depois entendi. Schnitzler, Von Hofmannsthal, Kraus, Musil e Zweig deixaram uma obra que entrou para o patrimônio espiritual da humanidade. Mas Altenberg era daqueles escritores que fazem literatura no botequim. Quer dizer, não fazem. E o Café Central, com todo o luxo, era e é um botequim.

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