Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Opinião

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Fernando Rugitsky

Injustiça tributária

A disputa em torno do IPTU mostra que não será uma tarefa fácil enfrentar a regressividade do sistema tributário brasileiro

Em setembro do ano passado, o IBGE divulgou a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) referente a 2012, indicando que, após anos seguidos de queda, a desigualdade medida por meio do índice de Gini ficara estável.

Alguns dias depois, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, anunciou que atualizaria a base de cálculo do IPTU, tornando-o mais progressivo. Em dezembro, no entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar suspendendo a alteração proposta e disputas judiciais semelhantes logo se espalharam para outras cidades.

Ambas as notícias foram intensamente discutidas. Faltou, no entanto, quem apontasse uma importante conexão entre elas.

Apesar de inegável avanço na última década, o Brasil ainda possui uma das piores distribuições de renda do mundo. Como o Gini é uma medida para lá de intransparente, o economista chileno Gabriel Palma tem optado por usar a razão entre o percentual da renda nacional detido pelos indivíduos que estão entre os 10% mais ricos e aquele detido pelos 40% mais pobres.

Verifica-se, por esse indicador, que a renda média de um indivíduo rico é cerca de 15 vezes maior que a dos mais pobres no Brasil. Na maioria dos países, a diferença raramente é superior a oito.

Ainda que a desigualdade tenha muitos determinantes, o sistema tributário brasileiro contribui para atualizar continuamente o fosso que separa os ricos e os pobres. O problema é a sua regressividade, ou seja, aqueles que têm mais pagam menos, enquanto os que têm menos pagam mais.

Estudo realizado por Sean Higgins e Claudiney Pereira mostra que os impostos indiretos (que incidem sobre o consumo) aumentam o índice de Gini no Brasil, compensando o efeito equalizador das transferência governamentais. Levando em conta os efeitos do sistema tributário, os índices de Gini dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) caem mais de 30%. No Brasil, essa redução é de menos de 6%.

Por trás da aparente irracionalidade, o sistema tributário brasileiro tem função clara: manter o nível da desigualdade. A pesquisa de Higgins e Pereira mostra que o problema reside no fato de que os impostos diretos (sobre a renda e sobre o patrimônio, como o IPTU) representam apenas 45% da arrecadação. O restante é arrecadado via impostos indiretos, dentre os quais o ICMS e o ISS representam conjuntamente quase um quarto da receita total. O IPTU, por sua vez, representa apenas 1,2% de toda a arrecadação.

O voto do desembargador que barrou a mudança do IPTU menciona que a "alteração da carga tributária no principal centro financeiro, corporativo e mercantil da América Latina irá atingir as mais diversas relações econômicas, podendo inibir seu crescimento".

Tal raciocínio tem o cheiro azedo daquele velho bolo que precisava crescer antes de ser repartido. E é falacioso. O economista francês Thomas Piketty, referência incontornável para estudos sobre desigualdade, tem demonstrado que o nível de progressividade tributária compatível com o crescimento econômico é muito maior do que o adotado na maior parte dos países.

O argumento contrário depende do pressuposto absurdo de que as pessoas são remuneradas de acordo com a sua produtividade, e não com a sua capacidade de apropriar-se do excedente produzido. Como se os executivos das empresas fossem centenas de vezes mais produtivos do que seus empregados.

Se o objetivo for reduzir a concentração de renda no Brasil, não há como evitar enfrentar a regressividade do sistema tributário. E isso passa por duas medidas: aumentar o peso dos impostos diretos e aumentar a sua progressividade.

A disputa em torno do IPTU mostra, contudo, que essa não será uma tarefa fácil. Enquanto o partido da regressividade tem cerrado suas fileiras e aprofundado sua mobilização, a bandeira do combate decidido à desigualdade ainda aguarda alguém para empunhá-la.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página