Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Arnaldo Niskier
Brincadeira tem hora
Um gênio convocou as crianças do Complexo da Maré para uma inacreditável confraternização com as Forças Armadas e policiais
Outro dia, a minha amiga Mônica Bergamo publicou em sua coluna nesta Folha uma nota cujo título era "Regras claras" ("Ilustrada", 1º/4).
Dava conta de que o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), órgão ligado à Presidência da República, aprovou resolução que, na prática, proíbe propaganda voltada para menores de idade no Brasil. Segundo a medida, não se deve persuadi-los ao consumo de qualquer produto ou serviço, somente sendo liberadas campanhas de utilidade pública sobre alimentação, educação e saúde.
É certo que essa medida, se entrar em vigor, dará muito trabalho ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), dirigido com muita sabedoria pelo especialista Gilberto Leifert. Serão muitos os casos a serem examinados, à luz da nossa Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Devemos aguardar o que vem por aí.
Mas já se pode questionar ocorrências do nosso cotidiano. No Rio de Janeiro, com forte dose de esperança, acompanha-se a intervenção das Forças Armadas na preparação para a chegada da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Complexo da Maré. Viu-se que somente a polícia do Estado não foi suficiente para enfrentar o esquema de contravenção armado numa comunidade de mais de 120 mil pessoas.
Até aí, tudo bem, porque a região é mesmo uma barra pesadíssima, com ações em terra, mar e ar. As drogas chegam aos depósitos de todas as maneiras, a principal das quais é certamente via fronteiras desguarnecidas --numa brutal fragilidade do nosso sistema de segurança. É por ali que a cocaína e o crack rolam soltos, com um trajeto ramificado por todo o país.
A presidente da República determinou que houvesse uma parceria com o Estado. Medida acertada e que provavelmente dará resultados a curto e médio prazos. Tanques, veículos motorizados, "half-tracks", jipes e caminhões, além de lanchas e helicópteros, passaram a povoar a paisagem do Complexo da Maré, que fica estrategicamente bem pertinho do centro da cidade do Rio, cortado por vias fundamentais de escoamento, como as Linhas Vermelha e Amarela.
Aí, então, um gênio em matéria de relações públicas, para criar o que se disse ser "um ambiente favorável", convocou as crianças da comunidade para uma inacreditável confraternização com as Forças Armadas e policiais. Subiram nos caveirões, nos carros que conduzem presos, nos tanques de guerra com direito a afagar os canhões apontados para as casas da região, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ora, francamente, nada mais inoportuno e fora de propósito.
Desde cedo, os jovens devem ser educados para respeitar as forças de segurança de seu país e temê-las quando for o caso. Alguma autoridade pisou na bola.