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Opinião

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Caio Blat

As dores da Copa

Os mesmos espíritos exaltados que quebram os estádios colecionam figurinhas da Copa e deverão assistir aos jogos escondidos

Uma pesquisa revela que os brasileiros estão divididos ao meio, 51% são a favor da Copa e 49% são contra. Evidentemente, vai ter Copa, e vai ter protesto, e é bom que seja assim. A pergunta que cabe agora é: como conciliar as duas coisas?

Muito se refletiu sobre a onda de manifestações que explodiu pelo país um ano atrás, embalada pela repressão violenta contra o Movimento Passe Livre (MPL). Artistas pintaram o olho de roxo, Caetano Veloso vestiu um capuz. Na esteira vieram os professores, os garis, os aeroviários, os metroviários... e também muita depredação e violência.

Os governantes assistiram atônitos. Jornalistas e sociólogos esforçaram-se em identificar o elo que poderia unir tantos gritos dissonantes, o sentimento forte e difuso de indignação do brasileiro. Eu também me arrisco num palpite.

Nosso país está amadurecendo, saindo de um estado infantil de paternalismo, desde que foi testemunha envergonhada de uma ditadura que calou todas as vozes e deixou marcas profundas, passando pelo nascimento de uma democracia frágil, bebê, que acreditou em "caçadores de marajás", salvadores da pátria e até na "mãe do PAC". E agora passa por uma espécie de adolescência, fase de rebeldia e autoafirmação, exatamente porque precisa se livrar dos "pais".

Por isso a rejeição a todos os partidos, às instituições de poder, à polícia e a toda forma de repressão. Essa crise brutal da representatividade é desejo de autonomia. Nesse contexto, as redes sociais são a ferramenta ideal. A liberdade que a internet trouxe torna todos iguais. Qualquer cidadão pode ter sua conta no Facebook, Instagram, Twitter, e expressar-se sem intermediários.

Porém, o êxtase da liberdade carrega a semente de uma velha doença: o maniqueísmo, na forma desse flá-flu que têm se tornado os debates nacionais. O grito de "não vai ter Copa" é tão histérico quanto a euforia dos fogos em Copacabana quando o Brasil foi escolhido para sediar o mundial. Os mesmos espíritos exaltados que quebram os estádios, no dia seguinte, colecionam figurinhas da Copa e, provavelmente, vão assistir aos jogos escondidos. Como os comunistas que torciam para a Tchecoslováquia em 1970 e vibraram quando o Brasil virou o jogo.

Vai ter Copa, sim. E vamos torcer e soltar rojões se o Brasil for campeão. E vamos usar a mesma camisa para nos juntarmos ao protesto do lado de fora dos estádios, num ato de patriotismo completo. Se possível, sem quebra-quebra, sem violência, com respeito aos turistas, delegações estrangeiras e famílias que forem aos jogos. Aliás, os próprios manifestantes deveriam isolar os vândalos para evitar o confronto com a polícia, como aconteceu pontualmente no ano passado.

E perceber que a verdadeira oportunidade de mudar o país vem logo depois da Copa, nas eleições. Evitando mais uma vez o maniqueísmo de defender com unhas e dentes o partido A ou o partido B, uma vez que o melhor mesmo para a democracia é a alternância do poder e uma oposição atuante.

E depois ainda voltar do jogo e do protesto e arregaçar as mangas, melhorar a sua casa, a sua rua, o seu trabalho. Ser você mesmo a mudança que você quer ver, dia após dia. Lembrando que os olhos do mundo vão continuar voltados para o Brasil até a Olimpíada de 2016, quando poderemos ter outra oportunidade de torcer e cobrar, dando o nosso show de alegria e maturidade.


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