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Ciência sem segredo

Até que ponto a ciência deve ser transparente e aberta? A questão, que há séculos inspira debates entre filósofos e cientistas, ganhou relevo na semana passada, depois que uma comissão consultiva do governo dos Estados Unidos pediu aos dois principais periódicos científicos do mundo, "Nature" e "Science", que deixassem de publicar parte dos resultados de uma pesquisa com o vírus da gripe.

O temor do comitê, ligado aos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), é que as informações possam ser usadas por terroristas.

Tecnicamente, não chega a ser uma censura, mesmo porque a comissão não tem poderes para tanto, mas o editor da "Science" afirmou que está levando a recomendação a sério e provavelmente restringirá o acesso aos dados. E pediu que o governo encontre alternativa para levar as informações a quem possa fazer bom uso delas.

A preocupação se justifica. Cientistas dos EUA e da Holanda conseguiram induzir uma cepa do vírus da gripe aviária A a cinco mutações que a tornaram altamente transmissível entre mamíferos. É o pior pesadelo dos virologistas. Em estado selvagem, o H5N1 quase nunca infecta humanos (apenas aves), mas, quando o faz, apresenta uma taxa de letalidade de mais de 50%.

A título de comparação, a tão citada gripe espanhola, que matou entre 50 milhões e 100 milhões entre 1918 e 1920, tinha uma letalidade estimada de 10% a 20% dos infectados.

A dimensão do perigo é justamente o argumento dos cientistas que defendem a publicação completa. Eles afirmam que os dados ajudariam os centros de vigilância epidemiológica a monitorar o comportamento do H5N1. Alegam ainda que não faria sentido desenvolver armas a partir do vírus da gripe, já que, uma vez liberado no ambiente, poderia atingir a população de qualquer país.

Apesar de haver base material para os receios da comissão, os argumentos dos que advogam pela publicação completa mostram-se mais sólidos. E são reforçados por precedentes históricos. No longo prazo, todo segredo vaza. Os próprios EUA tudo fizeram para impedir que informações sobre a bomba atômica chegassem a seus inimigos -e não tiveram sucesso.

Para avançar, a ciência depende da livre circulação de informações entre pesquisadores. Não parece sábio bloqueá-la.

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