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Ruy Castro

A gênese da ofensa

RIO DE JANEIRO - Da arquibancada do Maracanã, em outubro de 1968, vi quando Wilton, atacante do Fluminense, recebeu um lançamento no bico da área do Flamengo. Usando a mão para ajeitar a bola, tirou o goleiro Marco Aurélio da jogada e atirou para o gol vazio. O estádio inteiro também viu e a televisão, mais ainda --como se confirmou, horas depois, pelo replay do lance na "Resenha Facit". Só uma pessoa não viu: o juiz Armando Marques, validando o 1 x 0 que daria a vitória ao Fluminense.

Das 44 mil pessoas no Maracanã naquela tarde, 30 mil eram Flamengo. Diante da escandalosa ilegalidade, elas dispararam o coro que, a partir dali, domingo após domingo, ficaria associado a Armando Marques: "Bicha!". Não chegava a ser um palavrão, mas também não era uma palavra de família. Foi a primeira vez que se mimoseou tão pública e maciçamente alguém com tal epíteto.

Armando, que morreu na semana passada, era petulante, exibicionista e com uma noção doentia de autoridade. Adorava expulsar Pelé. Ao apitar uma falta, sentia-se com imunidades: corria em direção ao faltoso e falava-lhe de dedo na cara, aos gritos, com sua voz sem graves. Só se deu mal com Nilton Santos, que foi-lhe de mão aberta às faces, em 1964, e chutou-o escada abaixo, em 1972 --e pagou por isso.

Em 1968, o coro de "Bicha!" equivalia em ofensa àquele que se aplicou à presidente Dilma na abertura da Copa. Mas Armando não se ofendia. Parecia até gostar, como se o tivesse convertido numa aclamação. Na sua perversidade, talvez até errasse de propósito ao apitar --e como errou!--, apenas para ouvir o coro que o realizava.

O grito se estendeu aos demais árbitros. Com o tempo, deixou de fazer efeito e foi sendo substituído por outros mais grosseiros, até chegar ao formato atual. Que, por mais pesado e infame, está longe de ser o definitivo.


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