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O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

Eduardo Giannetti

Insanidade básica

"Oh Natureza, por que desperdiçar suas dádivas com tais homens?", indagou Childe Harold, o alter-ego do jovem Byron, ao visitar Portugal em 1812. Perplexidade análoga expressa Joaquim Bonifácio, no ano da nossa Independência, ao afirmar que "a natureza fez tudo a nosso favor, nós porém pouco ou nada temos feito a favor da natureza".

O tempo não desmentiu o alerta do Patriarca. Haverá melhor testemunho disso que o estado das águas no rio Tietê ou na baía da Guanabara?

Embora dispondo da maior reserva de água doce do planeta, o Brasil vive grave crise de abastecimento. São Paulo não é um caso isolado.

Um terço dos domicílios brasileiros relata ter sofrido interrupção no fornecimento de água nos últimos 30 dias, segundo recente Datafolha. O "Atlas do Abastecimento Urbano de Água" de 2011 informa que 55% dos nossos municípios --73% da demanda total-- estão sujeitos à falta de água na próxima década.

A crise no abastecimento, contudo, é apenas a face mais visível da inépcia na gestão dos nossos recursos hídricos. A raiz do problema é o descompasso entre o aumento do nosso consumo per capita de água, hoje um dos maiores do mundo, e o absoluto descaso no tratamento adequado e uso eficiente do líquido utilizado.

Ao programa de universalização do acesso à rede geral de abastecimento --95% da população urbana dispõe de água encanada-- não correspondeu um esforço equivalente de coleta, tratamento e reúso dos efluentes gerados.

Daí que chegamos ao século 21 com nada menos que 85% de todo esgoto residencial urbano --145 milhões de habitantes-- despejado diariamente "in natura" em nossos rios, córregos, lagos e logradouros (45% da crianças brasileiras com menos de 14 anos vivem em domicílios sem coleta de esgoto).

Descarte ilegal e desperdício completam o quadro. Estudo da FGV-SP estima que as indústrias na Grande São Paulo despejam ilegalmente 10 milhões de litros de efluentes por hora, ao passo que o índice de perdas físicas (vazamentos) e comerciais ("gatos") no suprimento de água chega a 37% na média brasileira.

Resultado: o reaproveitamento da água utilizada nas casas e fábricas é ínfimo, os rios e lagos das regiões urbanas que poderiam ser fontes de abastecimento viraram diluidores de esgoto a céu aberto --sem falar do seu impacto sobre a saúde, educação e trabalho--, e o desperdício de água tratada é cavalar.

O modelo baseado na preocupação quase exclusiva com suprimento de água oriunda de mega represas e fontes cada vez mais caras e distantes, sem o menor cuidado com o tratamento dos efluentes, reúso e conservação, acaba por minar a viabilidade do próprio abastecimento. Insustentabilidade é o seu nome.


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