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Ruy Castro
Ofertas de campanha
RIO DE JANEIRO - Uma coisa boa das eleições é que elas movimentam a economia. A odontologia, por exemplo, recebe um grande impulso com a oferta de próteses dentárias a eleitores banguelas, para que estes aceitem ser filmados declarando o voto neste ou naquele candidato --ou candidata. Sejam caninos isolados, implantes, pontes, dentaduras duplas ou aparelhos ortodônticos completos, o custo é irrisório diante do que se ganha com a imagem na TV de alguém sinceramente grato a Sua Excelência.
Idem quanto à doação de amostras grátis de remédios, cestas básicas, fraldas descartáveis, enxovais para bebê e laqueadura de trompas. É batata para assegurar a fidelidade das senhoras de qualquer região. E, nos Estados menos favorecidos, nada supera a oferta de caixões. Às vezes, até os defuntos vêm votar no doador.
Tijolos, sacos de cimento e areia a metro são igualmente bem recebidos nas comunidades em desenvolvimento. Em um Estado do Nordeste, um oftalmologista com fumaças políticas examinou de graça e providenciou óculos para uma população inteira. E é rara a eleição em que não ocorra um derrame de carteiras de habilitação em certos subúrbios.
Nem tudo se dá no grosseiro plano material. Há eleitores que se contentam em saber que o candidato Fulano aceitou "receber Jesus em seu coração". E a gratidão às empresas que fornecem jatinhos para as campanhas não precisa passar por nenhuma escrita ou contabilidade --uma isenção aqui ou uma recomendação ali resolve o problema.
Veja bem, não estou me colocando acima de ninguém. Mesmo porque não sei como reagiria se, em troca de um xis na cédula, viessem me oferecer o LP da Marlene cantando Assis Valente, com que sonho há décadas, a coleção completa dos gibis de "Mandrake" dos anos 50 ou um improvável engradado de Crush--com o refrigerante dentro.