Ruy Castro
Sujeita a ovos
RIO DE JANEIRO - Em janeiro de 1951, o presidente Dutra passou a faixa para o eleito Getulio Vargas. As rádios transmitiram do Catete, mas eu devia estar ocupado correndo atrás das galinhas no quintal, disputando figurinhas no bafo-bafo ou jogando beijos para a menina da janela em frente --enfim, o que estivesse ao alcance de um garoto de três anos. Ou, quem sabe, foi meu pai que não me deixou escutar --ele torcia pelo Brigadeiro.
Desde então, poucas vezes um presidente legitimamente eleito no Brasil recebeu a faixa das mãos de seu equivalente. Em 1956, Juscelino recebeu a sua, não de Getulio, que se mandara, nem dos dois primeiros sucessores constitucionais --o vice Café Filho e o presidente da Câmara, Carlos Luz, depostos por suspeita de golpe--, mas do terceiro, o presidente do Senado Nereu Ramos.
Em 1961, Juscelino repassou a faixa a Jânio Quadros, mas este a jogou ao chão com apenas sete meses de uso e ela acabou vestindo seu vice, João Goulart. O qual não pôde repassá-la a ninguém, porque foi derrubado em 1964. Os militares se apoderaram dela e levaram 21 anos chamando-se de presidentes e passando-a entre eles. Quando a devolveram, em 1985, o homem que deveria recebê-la, Tancredo Neves, foi traído pelo destino e este, cruel, impôs-nos o vice José Sarney.
Sarney entregou a faixa a Fernando Collor em 1990, mas este achou que ela lhe dava superpoderes. A lei o pegou e a faixa foi para outro vice, Itamar Franco, que a honrou. Em 1995, Itamar transferiu-a a Fernando Henrique Cardoso, que, em 1999, transferiu-a a si mesmo. Em 2003, FHC enfaixou Lula, que, em 2007, permaneceu enfaixado até emprestar a faixa, em 2011, a Dilma.
Faixa esta que, amanhã, saberá se vai ou se fica. E que, num país súbita e atrozmente dividido, não importa para que peito vá, periga levar ovos da turma que perder.