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Marta Suplicy

Aquele beijo

Em entrevista à Mônica Bergamo ("Arrasa, bii!" 8/1), Marcelo Serrado, o inverossímil humilhado personagem gay da novela "Fina Estampa", diz que acha "chato" personagem gay que levanta bandeiras e que não gostaria que sua filha visse um beijo gay na TV.

Em relação à dramaturgia, qualquer pregação é insuportável. Mas é possível fazer uma boa obra que eduque e combata preconceitos, como fez Gilberto Braga na novela "Insensato Coração".

Com um desenrolar didático e dramático da questão homofóbica, ele mostrou a dor e o sofrimento de quem é perseguido por ser do jeito que nasceu, as consequências violentas do preconceito e as dificuldades em superá-lo. Ajudou mais que qualquer campanha.

Sobre o beijo, o preconceito homofóbico introjetado é supercomum e passa batido para a maioria das pessoas. Acredito que Marcelo Serrado não se veja como homofóbico, tampouco tenha consciência de que o seu divertido e irreverente personagem Crô possa trazer como consequência danosa para a imagem e a autoestima de homossexuais. E menos ainda para o incentivo, o desencadeamento de violência, o deboche e as humilhações de toda ordem.

Como tantos que respeitam, acolhem, têm amizade, mas não têm noção do preconceito que abrigam "dentro do armário", como disse Alexandre Vidal Porto em instigante artigo ("Marcelo Serrado, o equivocado", Tendências/Debates, ontem), raramente essas pessoas ficam à vontade frente à demonstração de afeto explicitado por um casal gay.

O verniz civilizado cai frente à demonstração inequívoca do diferente, do aprendido como errado e do que a sociedade esconde a não ser para caricaturar ou pregar o "pecado".

Com o desconforto, aparecem as explicações que não elucidam nada além do preconceito: "poderiam fazer isso reservadamente", "aqui não é o lugar próprio", "crianças não deveriam assistir cenas como essas".

Por que o que não constrange no comportamento afetivo hétero provoca outra reação quando se trata de um homossexual? Pelo mesmo motivo que o comportamento hétero também pode incomodar quando vai além do que cada um acredita adequado. E cada pessoa tem a sua medida, o seu parâmetro e seus adereços preconceituosos, que são construídos desde a mais tenra infância pela cultura à qual pertence, pelos exemplos familiares, seus valores e preconceitos.

Podem mudar no decorrer da vida? Sim, podem. Com consciência e esforço do que desejamos ser. Às vezes, sobra aquele beijo.

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