Ruy Castro
Abraço na estátua
RIO DE JANEIRO - A estátua de Tom Jobim no Arpoador foi plantada a cinco metros do quiosque onde todas as manhãs, há anos, tomo uma água de coco. É um espetáculo --não se passam 30 segundos sem que Tom tenha alguém a seu lado, para fotografá-lo, fotografar-se com ele ou apenas admirá-lo. A escultora Christina Mota, baseada numa foto de Paulo Scheuenschtul, de 1959, capturou à perfeição o jovem Tom --ágil, esguio, bonito, violão às costas e à vontade com seu próprio gênio.
Nos 12 meses anteriores à foto, sozinho ou com parceiros, ele compusera "Caminhos Cruzados", "Chega de Saudade", "Desafinado", "Estrada do Sol", "Eu Não Existo sem Você", muitas mais, e, nos 12 seguintes, faria "Dindi", "Este Seu Olhar", "Eu Sei Que Vou Te Amar", "A Felicidade", "Fotografia", "Meditação", "Samba de uma Nota Só". Nenhum outro compositor brasileiro entrara em cena com tal bagagem e em tão pouco tempo.
Depois, tudo mudou. Em boa parte dos anos 70 e 80, as gravadoras brasileiras o descartaram --seus discos "não vendiam". Para poder gravar, Tom tinha de ir aos EUA, onde não lhe faltava mercado. Como as matrizes já vinham prontas, sem custo, seus discos acabavam saindo aqui. Mas, então, Tom tinha de aturar a patrulha, que o acusava de gravar nos EUA por ser "americanizado".
Em 1980, o diretor de uma importante revista em que eu trabalhava recusava-se a mandar entrevistá-lo, por achá-lo "rançoso". Em outras Redações, a obsessão pioneira de Tom pela ecologia era motivo de chacota. E sua grande criação, a bossa nova, estava esquecida, sepultada.
Um dia, tudo isso passou e, em seus últimos 10 anos de vida, Tom viu-se de novo reconhecido no Brasil. Há pouco completaram-se 20 anos de sua morte. Hoje, ao abraçar-lhe a estátua, milhares de pessoas podem retribuir em admiração o amor com que ele construiu sua obra.