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Gilberto Kassab

A epifania dos pedestres

Foi uma grande conquista ver os pedestres ocupando a avenida Paulista para ver os enfeites de Natal, afastando o monopólio dos veículos

A passagem do Dia de Reis, em 6 de janeiro, quando, segundo a Bíblia, três reis do Oriente deram presentes ao menino Jesus para testemunhar e reconhecer a sua divindade, marca tradicionalmente o encerramento das comemorações do Natal, emendadas no Ano-Novo.

Recolhem-se os enfeites e o sentimento mágico de congraçamento. Desce então sobre nós uma sensação de volta à realidade.

Eu gostaria de aproveitar a passagem recente dessa data, quando a decoração de Natal que iluminou e embelezou diferentes pontos da cidade foi desmontada, para propor que os moradores e os visitantes de São Paulo façam frutificar o grande presente que a cidade ganhou na virada de ano.

Trata-se de uma verdadeira epifania (como também é chamada a adoração dos Reis Magos): mais uma vez os pedestres avançaram sobre o espaço antes monopolizado pelos carros, em um movimento de conquista e ocupação do espaço público. Ele inverte um comportamento que se cristalizou durante todo o último século, quando predominaram os veículos.

O grande movimento de pedestres que se aglomeravam para ver os enfeites de Natal na avenida Paulista, no Ibirapuera, em Guarapiranga e em Tiquatira foi uma grande conquista da cidadania, com pessoas e famílias usufruindo e se divertindo, ao ar livre, em sua cidade, sem receio de nenhuma ameaça.

Sem receio de ameaça, sim, porque a violência cai quando há uma concentração de famílias na rua. Reinam os sentimento de pertencimento e de posse, cresce a vigilância sobre a qualidade dos serviços públicos. Vejam: só consequências positivas, dessas que políticos, urbanistas, jornalistas, entidades de direitos civis (a sociedade civil, enfim) sempre almejaram.

Mas, estranhamente, quando esses fatos acontecem, muitos se distraem em relação aos sonhos de longo prazo. Com um olhar voltado apenas para o curto prazo, reclamam e se opõem.

"As árvores não permitem ver o bosque", ensina um ditado popular alemão. É preciso guardar certo distanciamento para ter uma visão mais ampla.

Eu sugiro que, nas próximas semanas, a cidade não perca de vista essa sensação de reunião de cidadãos felizes, que foi tão presente na avenida Paulista e no parque do Ibirapuera em horários em que normalmente esses locais ficam esvaziados.

Sugiro que não sejamos levados pelo criticismo de curto prazo causado pelo congestionamento de veículos. Afinal, os seus ocupantes talvez também ali estivessem para ver a decoração de Natal, embora sem descer do carro e andar a pé pelas ruas da sua cidade.

Esta administração da Prefeitura, iniciada pelo prefeito José Serra em 2005 e continuada por mim desde 2006, tem como marca grandes avanços no uso do espaço público pelos pedestres.

A Virada Cultural é o exemplo mais conhecido e significativo, pois se trata de um evento que não existia e que passou a atrair vários milhões de brasileiros ao centro de São Paulo durante um fim de semana. O evento já faz parte do calendário cultural não apenas de São Paulo, mas de todo o Brasil.

Mas não é só a Virada Cultural que chama a atenção. Anualmente, acontece também a festa da passagem de ano na avenida Paulista. Ela é um marco dessa ocupação cidadã da via pública (que, no restante do ano, funciona apenas como via dos automóveis). Há ainda a Parada

GLBT, a Marcha para Jesus, as festas de 1 º de maio, entre tantos outros eventos.

São grandes eventos antes impensáveis. Eles realizam o sonho de uma sociedade civil que vai às ruas para usufruir de sua cidade, com toda a sua comunidade. Não podemos perder o foco dessa imensa realização, um sonho que se converte em realidade, uma verdadeira epifania.

GILBERTO KASSAB, 51, engenheiro e economista, é prefeito da cidade de São Paulo. Foi secretário municipal de Planejamento (gestão Pitta).

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