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Carlos Heitor Cony

É preciso navegar?

RIO DE JANEIRO - Impossível não comentar o naufrágio do Costa Concórdia. Desde que perdi o medo dos navios, sou freguês anual desses cruzeiros cafonas. Num de les, encontrei o deputado Francisco Dornelles, que fazia a sua primeira

viagem e, como sobrinho de Tancredo Neves, contou-me o que o tio lhe dis sera: "Se você souber que eu estou dentro de um navio, chame a polícia, porque fui sequestrado ou fiquei louco".

Perdido o medo, habituei-me. Não faço vida social nem em navios nem em terra firme, de maneira que passo o meu tempo no computador. Em geral, pago a viagem com o adiantamento das editoras, pois sempre saio com um original novo. Não enriqueço a literatura nem as editoras, mas praticamente viajo de graça.

Já andei num irmão-gêmeo do navio naufragado, construído pela Fincantieri, em Veneza Mestre. Tirante a decoração, que é pavorosa, são navios seguros, com toda a tecnologia existente no mercado. Mesmo sem saber detalhes, conhecendo as rotas habituais da Costa Cruzeiro, posso garantir que houve barbeiragem do comandante e da tripulação.

A rota inicial (Civitavecchia, porto próximo de Roma) é das mais antigas e notáveis do Mediterrâneo, o "mare nostrum" dos latinos. De lá, Virgílio partiu para a Grécia, onde escreveria a "Eneida". Essa viagem rendeu não apenas o famoso poema, mas uma das odes mais célebres de Horácio ("Sic te diva potens Cypri"), em que o poeta, dirigindo-se ao navio que transportaria o amigo, escreveu um dos versos mais bonitos da literatura universal: "Et serves animae dimidium meae" (Salve aquele que é metade de minha alma).

No tempo de Virgílio e Horácio, os navios não tinham radar, sonar, comunicação por satélite etc. Navegar com um colosso daqueles tirando um fino do litoral é barbeiragem das grossas.

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