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Hélio Schwartsman

"Tempus fugit"

SÃO PAULO - Depois de nos privar de Plutão, que teve sua planetariedade cassada em 2006, cientistas agora ameaçam bagunçar o tempo.

Pretendem eliminar os segundos bissextos ocasionalmente introduzidos no calendário para fazer com que o tempo dos relógios atômicos (oficialmente, 1 segundo equivale a 9.192.631.770 ciclos de radiação emitidos pelo césio-133) não se divorcie de vez do tempo astronômico, em que o segundo vale 1/86.400 do dia.

Até os anos 60, a astronomia era a guardiã absoluta do tempo, mas aí descobrimos que o planeta é pouco pontual: a velocidade da rotação terrestre atrasa um número variável de milissegundos a cada ano.

Se os segundos corretivos forem de fato eliminados -a decisão foi adiada para 2015-, o tempo se tornará mais abstrato. Não dirá mais respeito à noite, ao dia, às estações e aos anos.

Os cientistas, é claro, têm suas razões. O problema é que nossos corações são insensíveis a elas. O tempo encerra uma dimensão psicológica à qual não podemos escapar.

Nas "Confissões", santo Agostinho vislumbrou o tamanho da encrenca: "Se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente. De que modo existem aqueles dois tempos -o passado e o futuro-, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade".

Não é por acaso que, além de Agostinho, vários filósofos se apressaram a concluir que o tempo não passa de uma ilusão. Mesmo que ele seja uma realidade ontológica, como querem os físicos, continua despertando perplexidades e até paixões.

Nem toda ciência, filosofia e

poesia do mundo nos fazem deixar de lamentar o passado e temer o futuro. Quem traduziu bem esse sentimento foi Virgílio: "Sed fugit interea, fugit irreparabile tempus" (mas ele foge: foge irreparavelmente o tempo).

helio@uol.com.br

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