Ruy Castro
Era. Não era
RIO DE JANEIRO - Mario de Andrade, o escritor de 1.001 utilidades e cujos 70 anos de morte se deram esta semana, sairá finalmente do armário. Uma biografia em preparo por Jason Tércio vai responder à pergunta que, até agora, impediu que se vasculhasse sua vida por escrito --se Mario era ou não homossexual.
Não que dessa resposta dependa a cotação de Mario nas bolsas literárias. O problema é que, há décadas, todos os interessados em biografá-lo esbarraram nos responsáveis por seu espólio, os quais davam a entender que não queriam que se tocasse no assunto. Foi inábil da parte deles porque, como nunca houve uma biografia de Mario, subentendeu-se que ele era, sim, homossexual.
Mario não é uma unanimidade. A torcida a seu favor é esmagadora, mas ele já teve também desafetos poderosos --um deles, o poeta Decio Pignatari, que, em entrevista ao "Correio da Manhã", em 1965, chamou-o de "palhaço, inculto e chutão". E Mario não estava livre de contradições. Como explicar, por exemplo, que, em 1920, apenas dois anos antes da Semana de Arte Moderna, o chefe do Modernismo ainda acompanhasse procissões pelas ruas de São Paulo, de vela na mão, e pedisse permissão aos padres para ler certos escritores europeus?
Mas aí é que está. Os melhores biografados são os que apresentam mais contradições --Nelson Rodrigues não era um "anjo pornográfico"? Nesse sentido, Mario deve ser um biografado exemplar. Pena que a conspiração de silêncio à sua volta o reduzisse a essa questão menor, sobre se ele era ou não homo.
Jason Tércio é autor de "Órfão da Tempestade", magnífica biografia do cronista José Carlos (Carlinhos) de Oliveira. Se repetir a façanha com Mario, teremos um grande livro. E, talvez para tirar do sistema, já começou a responder à famosa pergunta. Mario não era homossexual, diz ele. Era bi.