EDITORIAIS
Violações e regalias
As regalias chamavam a atenção. Nas fotos publicadas por esta Folha na segunda-feira (2), presos apareciam em poses descontraídas atrás de peças de carne ou em cima de uma bicicleta ergométrica.
São chefes de pavilhões da Penitenciária Lemos Brito, em Salvador, e tanto o churrasco como o aparelho de ginástica fazem parte da lista de privilégios ilegais que se permitem, com a aquiescência explícita ou o consentimento tácito das autoridades estaduais.
A essas mordomias se acrescem cerveja e prostitutas, para nada dizer de imponentes facas para fatiar a carne e dos próprios celulares que registraram as imagens. "Até caminhão-baú fechado entra no complexo e ninguém revista", assevera Reivon Sousa Pimentel, presidente do Sinspeb (sindicato dos agentes penitenciários da Bahia).
Para a associação classista, a direção da unidade libera os mimos no intuito de evitar rebeliões. O governo estadual não comentou essa afirmação, e é fácil entender a opção pelo silêncio: admitir a negociação significaria assumir uma ilegalidade, mas negá-la implicaria reconhecer uma incompetência.
Os desmandos verificados na Penitenciária Lemos Brito, associados à superlotação (1.315 presos onde caberiam 771) e à vulnerabilidade do prédio (encomendas são atiradas por cima dos muros), situam a unidade entre as cinco piores do Brasil, de acordo com diversas entidades ouvidas pela reportagem.
Estão nesse grupo o complexo do Curado (Recife), o Presídio Central de Porto Alegre, o complexo de Pedrinhas (São Luís) e o presídio Urso Branco (Porto Velho). Nesses estabelecimentos, são comuns as mortes brutais de detentos e a falta de controle do Estado sobre o que se passa intramuros.
São as piores penitenciárias num país em que o sistema prisional precisaria ter cerca de 60% mais vagas para dar conta da atual população carcerária, segundo relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça em junho passado.
Não surpreende, assim, que a Anistia Internacional, em seu mais recente informe sobre direitos humanos, tenha apontado a "superlotação extrema" e as "condições degradantes" como "problemas endêmicos nas prisões brasileiras".
Eis a cruel realidade dos presídios no Brasil: enquanto grassam, de um lado, abomináveis violações aos direitos humanos, líderes de facções se valem do descalabro para obter inaceitáveis regalias e, mais grave, fortalecer suas organizações criminosas.