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Joaquim Melo

A grande festa (das cervejarias)

No Carnaval, festa associada à bebedeira, o Estado se rende ao patrocínio da cerveja; é preciso vetar a propaganda da bebida, como foi feito com o cigarro

O Carnaval, uma das festas mais populares do país, infelizmente evidencia um modelo bastante difundido e incentivado socialmente por aqui: o de beber excessivamente.

E, só para não perder o costume, as festas das principais cidades brasileiras estão sendo patrocinadas por grandes cervejarias. Empresas que, fornecendo uma série de aparatos para a realização dos eventos, têm como principal objetivo incentivar o consumo de álcool.

Para quem ainda duvida que o patrocínio de eventos culturais por fabricantes de bebidas estimule o consumo, um bom exemplo é o último Rock in Rio.

A cervejaria apoiadora divulgou ter atingindo o maior número de vendas da companhia mundialmente nesse tipo de ação, comercializando 1,7 milhão de copos de chopp. A marca reforçou ainda o enorme sucesso com o público jovem -público que, vale lembrar, por fatores físicos e psicológicos, é mais vulnerável a desenvolver dependência do álcool.

Como patrocinadoras, as fabricantes divulgam amplamente sua marca e estimulam livremente o consumo. Por isso, é no mínimo preocupante a posição do governo que, cedendo às pressões comerciais da Fifa, liberou a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante a Copa de 2014. Independentemente das regras estipuladas para o consumo, o país aceitou transpor uma lei muito bem constituída e amplamente apoiada pela população em prol de uma marca de cerveja.

A decisão contraria o que se espera do poder público em seu compromisso de zelar pelo bem-estar e pela saúde dos brasileiros. Contaria também a expectativa de leis mais rígidas com relação à publicidade de bebidas alcoólicas.

Assim como já ocorre com o cigarro, proibir a propaganda de cerveja nos meios de comunicação é fundamental para moderar o consumo. As restrições à publicidade de cigarros e derivados do tabaco, por exemplo, reduziu a prevalência de fumantes na população de 32% em 1989 para 19% em 2006.

É uma medida essencial ainda para proteger os jovens. A publicidade é um dos principais estímulos para o consumo de álcool entre crianças e adolescentes. Não por acaso, os comerciais de cerveja trazem mulheres bonitas, jovens de plásticas perfeitas, atletas e artistas consagrados. Tudo para reforçar os ideais de beleza e sucesso para quem consumir a marca da vez.

O patrocínio e a publicidade institucional também não ficam atrás. Eles respaldam a equivocada concepção do álcool como algo indissociável da organização social e cultural do país, com evidentes prejuízos para a população e para o sistema público de saúde.

No Carnaval, uma festa que já é associada à "bebedeira", a situação é ainda pior quando fica evidente o apoio do poder público local a esse tipo de patrocínio.

As empresas oferecem recursos estruturais para o evento, e o Estado parece então ver uma oportunidade de se eximir da responsabilidade de proporcionar a infraestrutura adequada para a comemoração, aceitando de bom grado o investimento cervejeiro.

É uma associação que, certamente, vai causar muitos prejuízos. Basta lembrar dos malefícios do álcool à saúde e dos mais variados tipos de violência relacionados ao seu consumo. Só no ano passado, durante o feriado de Carnaval, ocorreram 4.165 colisões no trânsito. Como saldo, 2.441 mil feridos e 213 mortos nas estradas federais.

Considerando o enorme custo social do álcool para o país, é imprescindível uma legislação mais rígida com relação à publicidade de bebidas alcoólicas, restringido inclusive o patrocínio de eventos culturais. A realidade é bem diferente de toda a alegria vista durante as comemorações. Definitivamente, cerveja não é confete de carnaval.

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