Carlos Heitor Cony
Alta rotatividade
RIO DE JANEIRO - Na primeira metade do século 20, alguns hotéis tinham outros nomes, mas não importa. Tal como o Corcovado, o Pão de Açúcar e os oitis do Bulevar 28 de Setembro, são especialidades da casa, coisas nossas.
Rezam as crônicas que tudo começou com o Hotel Leblon, cuja carcaça sofreu várias diagramações. Naquele tempo, o Leblon era tão inacessível quanto o Congo Belga. Não se ia ao Leblon: partia-se para o Leblon.
Eram espeluncas desoladoras, mas que cumpriam as suas finalidades. Surgiram então dois eventos importantes: a pílula anticoncepcional e a indústria automobilística nacional. Deus fez --ou ajudou a fazer-- as duas, mas foi o diabo que as juntou.
A hotelaria daquelas bandas virou uma instituição tão forte que apareceu uma figura famosa na crônica policial da cidade: o Lima dos Hotéis, personagem mais ou menos mítico, composto de uma porção de gente que se tornou anônima, com exceção do prefeito Negrão de Lima. Lá, o carioca pecava contra a castidade e comia a mulher do próximo --que eram quase todas.
O dia 25 de abril de 1969 é importante na sociologia da cidade. Nessa data foi assinado o decreto nº 2.792, "que estabelece normas para o funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos afins: 'Não cabe ao hospedeiro a obrigação de investigar o estado civil ou a intenção dos casais ou pares que procuram hospedagem, mas é de sua responsabilidade tomar providências a fim de evitar o favorecimento da prostituição, da corrupção de menores, de atentados públicos ao pudor ou da perturbação da ordem e da tranquilidade públicas'".
Nunca um parágrafo foi tão abençoado por hospedeiros e hospedados. Um moralista poderia comentar: é a esbórnia! Os sábios encararam o decreto em seu artigo 9, parágrafo 12, sob outro ângulo: É a civilização!