Shirin Ebadi
Dilma Rousseff e o recuo no Irã
Recém-eleita, Dilma criticou a abstenção da diplomacia brasileira quanto à violação de direitos no Irã. Agora que está no poder, faz concessões
Cinco anos atrás, Dilma Rousseff deu esperanças quando criticou a diplomacia brasileira, que, naquele momento, acabava de se abster em uma votação da ONU pela condenação das violações de direitos humanos no Irã. Na época, ela tinha acabado de ser eleita presidente da República do Brasil.
"Não endosso o apedrejamento [de mulheres]. Discordo de práticas que têm características medievais. Não há nuances possíveis. Não farei concessões nesse assunto", disse ela em dezembro de 2010. Dilma acrescentou: "Minha posição não vai mudar quando eu chegar ao poder. Discordo de como o Brasil votou". No mês passado, a presidente Dilma Rousseff fez exatamente o que disse que não faria.
Talvez seja por isso que eu me senti tão perturbada pelo fato de, na mais recente sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Brasil ter se abstido de votar a resolução que renovou o mandato do relator especial para o Irã, uma resolução que o Brasil apoiava desde que ela foi apresentada, em 2011.
Muitos defensores dos direitos humanos no Irã, entre os quais eu me incluo, pediram a criação desse mandato. A renovação assinala a preocupação da comunidade internacional, assegurando que a situação dos direitos humanos no Irã seja monitorada de perto.
Ao mesmo tempo em que o governo iraniano vem tentando solapar o trabalho do relator especial, Ahmed Shaheed, e não lhe permitiu visitar o país uma única vez nos últimos quatro anos, Shaheed vem documentando com eficácia o grande número de abusos dos direitos humanos cometidos no país.
Como Shaheed informou no último mês, o Irã é o país que mais executa prisioneiros por habitante, com 753 execuções em 2014, o maior número em 12 anos. A maioria por crimes que, pela lei internacional, não justificam a pena de morte.
Pelo menos 12 presos podem receber sentenças de apedrejamento. A pressão internacional acirrada é a única razão pela qual os apedrejamentos não são implementados desde 2010. Mas outros castigos deploráveis continuam sendo usados, como açoites, amputações e enforcamentos públicos.
Além disso, como Shaheed alertou em seu mais recente relatório, novas leis propostas podem agravar a discriminação já inaceitável contra as mulheres iranianas. Hoje, por exemplo, um marido pode impedir sua mulher de ter um emprego, e as mulheres nem sequer podem assistir a um jogo da seleção iraniana de futebol no estádio.
Há pelo menos 50 mulheres defensoras dos direitos humanos na prisão. Advogados e advogadas, como eu, que defendem ativistas enfrentam um destino semelhante.
Meus colegas Abdolfattah Soltani e Mohammad Seifzadeh estão cumprindo pena de prisão por seu trabalho de defesa dos direitos humanos. As autoridades iranianas fecharam nossa organização, o Centro de Defensores dos Direitos Humanos, que era a maior ONG de direitos humanos do país.
Por que, então, a presidente Dilma se apressou a retirar seu apoio à manutenção do relator especial? O Brasil justificou sua abstenção dizendo que "o compromisso renovado do Irã com o sistema de direitos humanos deve ser reconhecido", em especial "a aceitação da maioria das recomendações feitas durante a participação do país no segundo ciclo da Revisão Periódica Universal".
Somente avanços mensuráveis na situação dos direitos humanos no Irã teriam justificado a mudança de voto do Brasil, e isso é algo que Teerã até agora vem mostrando que não se dispõe a fazer.
A diplomacia brasileira assumiu um compromisso com o povo iraniano, e os defensores dos direitos humanos esperam que o Brasil cobre do Irã o cumprimento de suas promessas. Como o governo Dilma pretende fazer isso? Esperamos que, no futuro, as posições assumidas pelo Brasil sejam baseadas em fatos, não apenas em promessas vazias.