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Punição antes da hora
País registra abuso de prisões preventivas; soltura de empreiteiros implicados na Operação Lava Jato não se confunde com impunidade
Fosse pelo chamado clamor popular, haveria de estender-se por muitos anos, talvez à perpetuidade, o tempo de prisão reservado aos nove implicados na Operação Lava Jato que, nesta quarta-feira (29), deixaram a carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
Todos se beneficiaram de decisão do Supremo Tribunal Federal tomada no dia anterior e foram transferidos à prisão domiciliar.
Em votação apertada (3 a 2), a segunda turma daquela corte não optou, como se poderia pensar, pela impunidade dos envolvidos.
Nem sequer teve início o julgamento de Ricardo Pessoa, presidente da empreiteira UTC, e dos demais acusados de participar do esquema de corrupção na Petrobras.
Estavam havia cinco meses e meio privados de liberdade em decorrência do que determinara --sem contestação nas demais instâncias, até o caso chegar ao STF-- o juiz federal Sergio Moro.
Para este magistrado, impunha-se aplicar sobre os executivos o instrumento da prisão preventiva. Presumindo a possibilidade de que fugissem do país, ou que persistissem na prática de seus crimes, ou ainda que pudessem interferir nas investigações, seria conveniente que permanecessem entre as grades.
Nessa linha se pronunciaram os ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia, para quem não faria sentido suspender a prisão preventiva enquanto não estivesse plenamente terminado o inquérito policial.
Outra foi a opinião de Teori Zavascki (relator do processo), Dias Toffoli e Gilmar Mendes --sobre o qual, aliás, não pesam suspeitas de simpatia pelo sistema petista.
Adotado o uso de tornozeleiras eletrônicas e feita a apreensão de passaportes, não é plausível que os empreiteiros consigam evadir-se do país. Que se entreguem a práticas de corrupção, uma vez afastados do comando das empresas e sob as vistas de toda a opinião pública, é igualmente improvável.
A própria complexidade do esquema de que supostamente participam e sua dependência de uma discreta rede de contatos não lhes sugerem a retomada de atividades em momento de tanta exposição.
A comparação, ainda que bizarra, merece ser feita. Um psicopata, um "serial killer", representa real perigo aos cidadãos, sendo razoável que a Justiça, a título de cautela, retire-o do convívio social, mesmo sem condenação definitiva.
No Brasil, ainda acertadamente visto como país da impunidade, a prisão preventiva tem sido tomada, como bem disse o ministro Zavascki nesse caso específico, como forma de antecipar, sem julgamento, a pena desejada.
Recente estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estima em 37% a proporção dos que, tendo tido prisão preventiva decretada, terminaram absolvidos no Judiciário. A ferramenta se presta a abusos que vitimam, segundo os cálculos do instituto, cerca de 90 mil pessoas encarceradas.
Não apenas os empreiteiros da Lava Jato, portanto, parecem estar sujeitos a um paradoxo cruel da impunidade: o esforço de compensá-la pela espetacularização de um rigor desproporcional e descabido.