Editoriais
Mais um passo
Delação premiada de empresário apontado como chefe de cartel de empresas promete novos avanços nas investigações da Lava Jato
Com o acordo de delação premiada entre a Procuradoria-Geral da República e o empresário Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC, dá-se mais um passo para desvelar o mecanismo de corrupção que interligou políticos de vários partidos, dirigentes da Petrobras e executivos de algumas das maiores construtoras do país.
Apontado como chefe de um cartel de empresas no esquema, Pessoa já se comprometeu a pagar multa de R$ 50 milhões, além de explicitar detalhes sobre propinas que garantiram à UTC, junto com outras empreiteiras, diversos contratos na área de minas e energia.
O ministro desse setor durante o primeiro governo de Dilma Rousseff (PT) e atual senador pelo PMDB, Edison Lobão (MA), é um dos nomes citados por Pessoa. Teria recebido R$ 1 milhão para facilitar os interesses da UTC nas obras da usina nuclear de Angra 3.
Cifra talvez demasiado modesta, já que o montante total do contrato subia a R$ 2,9 bilhões. Mas Angra 3 constitui (ainda) um componente lateral do escândalo --que, como se sabe, materializou-se antes de tudo na Petrobras.
Os pontos da delação mal começam, de todo modo, a ser recenseados. Ricardo Pessoa declarou, por exemplo, que tratou de doações com o tesoureiro da campanha de Dilma em 2014. Teriam sido R$ 7,5 milhões naquela ocasião, e ninguém teria a ingenuidade de acreditar que essa contribuição foi feita sem perspectiva de posterior vantagem em contratos oficiais.
Ocorre, todavia, que a doação, nesse caso, se fez por vias regulares. Ainda sob exame no Supremo Tribunal Federal --onde sua constitucionalidade se questiona--, o sistema de contribuições empresariais a campanhas não tem, no momento, nada de ilegal.
Entre o que é apenas suspeito e o que de fato é criminoso, entre o moralmente duvidoso e o escândalo desbragado, há diferenças que cabe à Justiça delimitar em cada caso concreto.
Encarcerado por quase seis meses, só depois de lhe ter sido concedido o benefício da prisão domiciliar é que Ricardo Pessoa firmou o compromisso de delação.
A circunstância não confirma nem desmente, a rigor, a noção de que o longo tempo de cadeia tenha servido como forma de pressioná-lo a aceitar o acordo.
Talvez valha notar que, sempre, o objetivo do delator é diminuir seu tempo de punição --presente ou futuro. Se os envolvidos na Lava Jato se julgassem sob proteção da clássica cultura da impunidade, não firmariam acordos desse tipo.
Num país ainda tido como leniente com a corrupção, o recurso à delação premiada parece indicar que, em especial após o julgamento do mensalão, vai-se instaurando um ciclo virtuoso: quanto mais se investiga e pune, mais se facilita o combate à corrupção.