Condor em Haia
Vizinhos sul-americanos, Bolívia e Chile estão em lados opostos na Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, onde se analisa a histórica demanda de La Paz para recuperar o acesso ao mar.
A origem da disputa está na Guerra do Pacífico (1879-1883). O Chile, insatisfeito com o aumento tributário imposto a seus mineiros instalados no país adjacente, iniciou o confronto tomando Antofagasta, então um porto boliviano.
Ao final do conflito, um dos mais dramáticos da América do Sul, a Bolívia perdeu uma área de 120 mil km² (o país tem hoje cerca de 1,1 milhão de km²), incluindo todos os 400 km costeiros. O Peru, que se alinhou a La Paz, também foi derrotado e cedeu parte do seu litoral.
O tratado de paz só veio em 1904. Nele, a Bolívia reconheceu a perda territorial, enquanto o Chile se comprometeu a facilitar a seu vizinho o acesso comercial ao mar.
A privação do litoral provoca compreensível ressentimento do lado boliviano, um mal-estar que tem aguçado momentos de tensão entre os dois países e estimulado rodadas de negociação com o Chile.
Na mais recente, o presidente da Bolívia, Evo Morales, levou a pendência a Haia, em 2013. Na semana passada, a corte realizou as primeiras audiências para decidir se tem competência para julgar o caso.
O pleito parece frágil. Os dois países assinaram o Pacto de Bogotá, de 1948, que dispõe sobre solução pacífica de conflitos e estabelece que seus signatários não buscarão renegociar acordos firmados anteriormente. Em argumentação tortuosa, La Paz reclama "acesso soberano ao mar", mas diz que não implica mudar o tratado de 1904.
O litígio, de todo modo, mostrou-se capaz de galvanizar a população da Bolívia. A campanha pela saída marítima talvez seja o único tema que hoje une as correntes políticas do país e alimenta um sentimento nacionalista compartilhado por todos os estratos sociais.
Irritado com a visibilidade que a contenda adquire, o Chile afirma que não existe assunto pendente com a Bolívia e lembra que já concede vários benefícios para o trânsito comercial até o Pacífico.
Apesar da intensificação da crise, as divergências parecem circunscritas ao campo diplomático. Menos mau que seja assim --se todas as fronteiras definidas por guerras muito antigas estivessem em discussão e fomentassem novos conflitos, dificilmente haveria um ponto de paz no planeta.
Até por esse motivo, a controvérsia entre Bolívia e Chile deveria se limitar a debates bilaterais --se necessário, facilitados por outros atores da região.