Hussein Kalout
O Senado e as sabatinas diplomáticas
Os senadores não têm ideia do que perguntar, enquanto os diplomatas tentam passar incólumes por esse procedimento constitucional
O rito da sabatina de embaixadores na Comissão de Relações Exteriores do Senado --mecanismo de defesa e proteção dos interesses do cidadão na escolha de seus representantes nas legações brasileiras no exterior-- não poderia ser descrito de outra forma que não pelo aforismo de Hipócrates: "Seria cômico, se não fosse trágico".
Com origens na era romana e, mais recentemente, inspirada no sistema político norte-americano, a prática objetiva avaliar capacidade e predicados do sabatinado para representar o país junto a outros Estados ou organizações internacionais.
Ao longo da história republicana brasileira, as sabatinas transcorreram marcadas pelo desinteresse pela política externa. Por vezes, aprovações sucediam-se a toque de caixa e em um enfadonho processo envolto por indiferença.
Como política externa não é tema de ampla demanda popular e exige conhecimento específico, a comissão, ao largo de diversas legislaturas, deu mostras de condescendência em relação ao que era apresentado por candidatos a embaixador.
Salvo raras exceções, alguns senadores limitavam-se a tecer comentários elogiosos ao sabatinado ou solicitar meros esclarecimento sobre curiosidades triviais, sem maiores implicações para a política externa, em vez de formular questionamentos propositivos, perguntas de fundo prático ou comentários com densidade analítica.
Se a política externa fosse realmente compreendida e levada a sério, e a seriedade fosse a métrica escolhida para avaliar a adequação do indicado ao posto, número substancialmente maior de candidaturas seria rejeitado.
Entre inconsistentes apresentações marcadas por superficial padrão analítico e dados ostensivamente disponíveis na internet, alguns sobremaneira desatualizados, as apresentações variam entre o marasmo e a pobreza conceitual e estratégica, o que evidencia a pouca importância atribuída às relações internacionais do Brasil e aos seus potenciais impactos sociais.
A rejeição do diplomata Guilherme Patriota ao posto de embaixador na OEA (Organização dos Estados Americanos) pelo Senado Federal na semana passada reflete a inocuidade dessa dinâmica.
Exceções à parte, é melancólico observar o processo. Normalmente, os senadores não têm ideia do que e como perguntar, ao passo que os diplomatas --muitas vezes designados a ocupar um posto, sem nunca haver estado na região ou trabalhado com o tema-- recorrem à leitura de arquivos pouco elaborados para passar incólumes por esse procedimento constitucional, com apresentações burocráticas e insubstanciais.
Nas sabatinas não se discutem os riscos ou benefícios aos interesses nacionais de um ou outro grupo político ascender ao poder em um país e quem são os competidores diretos do Brasil naquele Estado. Também não há mapeamento e sincronização de informações entre formulação e execução da política externa ou questionamento de oportunidades comerciais e de investimentos.
Em razão do processo de rotação de diplomatas, ao menos dois embaixadores serão sabatinados para o mesmo posto no exterior durante uma mesma legislatura do Senado.
Seria necessário, então, repensar o formato das sabatinas para reforçar critérios que melhorem o conteúdo das apresentações, evitando que sejam balizadas por narrativas repetitivas e que agregam poucos dados.
É necessária uma interlocução mais objetiva e ativa entre Parlamento, chancelaria e sociedade.
A comissão não é parte no processo decisório e fica quase sempre à margem do que realmente interessa nas relações internacionais. Uma maior integração entre o Itamaraty e o Senado deveria ser uma prioridade que inspire debates de alto nível em que se discutam visões estratégicas sobre a política externa.
Para aperfeiçoar a dinâmica das sabatinas, poderia se exigir dos indicados a apresentação de plano estratégico no qual descreveriam seus projetos à frente do posto. Esse documento serviria de base ao processo de análise e formulação do parecer das relatorias.
Assim, os sabatinados não se exporiam a insossas apresentações de "Almanaque Abril" e a comissão estaria pressionada a elevar o nível das arguições, não só em respeito ao eleitor, mas em atenção aos interesses estratégicos da nação.