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Lei e responsabilidade
Reação parlamentar contra intervenção do governo nas estatais soa oportunista, pois Congresso não usa os meios de que já dispõe para tanto
Dado o descalabro da Petrobras e da Eletrobras, nada mais natural que haver reações aos desmandos que provocaram a degradação das duas maiores estatais do país. De um lado, processos administrativos e judiciais demarcam os limites da intervenção do governo; de outro, a oportunidade e o oportunismo levam o Congresso a agir.
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, e Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, apresentaram uma proposta de Lei de Responsabilidade das Estatais. O que poderia existir de meritório na ideia desaparece diante do que o anteprojeto tem de açodado e confuso.
O texto não vai muito além de determinar que o Senado aprove a escolha de dirigentes de estatais. Proíbe que membros do governo, até o terceiro escalão, dirijam tais companhias, exige dos diretores experiência na função e estabelece a destituição da diretoria no caso de descumprimento de metas.
A possibilidade de veto de diretores nomeados pelo Executivo, representante da União (acionista majoritária), é no mínimo controversa, consideradas a Constituição e a Lei das Sociedades Anônimas --e talvez a sugestão nem sobreviva à polêmica que desencadeou.
Evitar nomeações politizadas é sem dúvida positivo, mas por que discriminar só o Executivo? O Legislativo não incorre em tal prática? Não custa lembrar que congressistas apadrinharam diretores e presidentes de estatais protagonistas de escândalos de corrupção, dos Correios --gênese do mensalão-- à Petrobras.
Punir conselheiros com demissão pelo descumprimento de metas pode criar incentivos para maquiagem de planos. Envolver em mais disputa a escolha da cúpula de empresas com ações na Bolsa pode gerar instabilidade financeira.
O anteprojeto não dá conta do essencial: a intervenção indevida do governo e a responsabilidade do Executivo nos descaminhos.
Aliás, já existem instrumentos de controle para isso. Se não funcionam com rigor e no devido tempo, os parlamentares são os grandes responsáveis. O Congresso deixou morrer uma CPI da Petrobras, por exemplo. Dispõe do Tribunal de Contas da União para abrir a alardeada "caixa-preta das estatais".
Embora padeça de alguns vícios semelhantes, o anteprojeto do senador Aécio Neves (PSDB-MG) ao menos sugere mecanismos para circunscrever de fato a intervenção daninha na gestão das estatais.
Não há nada, em princípio, que torne a reação parlamentar indesejável. Mas o Congresso tem de fazer um exame de consciência sobre suas responsabilidades e cumplicidades; tem de se valer de suas amplas e abandonadas prerrogativas. Se não cumpre suas funções, que crédito se deve dar a novas leis?