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Paulo Pélico

Cultura ruim de bilheteria: o que fazer?

Descarte os argumentos chatos sobre o valor intrínseco da cultura: ela traz muito dinheiro ao país; além disso, só 1% dos incentivos fiscais vão para a área

A notícia rendeu muitas manchetes, mas pouca reflexão. No final do ano passado, a turnê de João Gilberto entrou em colapso pelo baixo desempenho da sua bilheteria.

Não faltou interesse do público. Sem patrocinadores para cobrir os principais custos da excursão, os produtores não acharam uma equação capaz de oferecer preços acessíveis ao vasto público do genial precursor da bossa nova.

Resultado: cancelamentos e frustração de milhares de fãs.

O caso deixa nítida a gradual decadência da bilheteria na sustentação econômica dos eventos artístico e culturais. É extensa a lista de grandes nomes da MPB que não conseguem mais pagar as contas de seus shows apenas com a venda de ingressos. Se é assim com superstars, imagine entre novos talentos.

No teatro, a impotência da bilheteria é um dado antigo. Há décadas as peças não cobrem os gastos de uma companhia profissional, mesmo com a casa cheia.

Na chamada alta cultura, a situação só piora. Os números da Osesp mostram que a venda de ingressos e de assinaturas corresponde a cerca de 8% dos gastos totais da orquestra. No Masp, a receita proveniente da visitação pública talvez não pague a conta de água.

Em todos esses casos, o socorro vem do dinheiro público, por meio de dotações diretas ou dos mecanismos de renúncia fiscal.

O que fazer? Dissolver as nossas sinfônicas e fechar os nossos museus? Reduzir o teatro brasileiro ao "stand-up comedy", com os seus custos otimizados?

Isso certamente pouparia grandes somas ao erário. Mas seria mesmo economicamente vantajoso?

Não há cinismo nessa pergunta. Proponho examinar a hipótese sem preconceitos, descartando aqueles chatíssimos argumentos sobre a importância intrínseca da cultura.

Vejamos a maior festa popular do planeta, o Carnaval carioca. Mesmo com a lotação do sambódromo esgotada, a arrecadação de bilheteria não cobriria nem sequer 20% das somas consumidas nos barracões.

E essa conta nem sequer inclui custos operacionais como policiamento, energia elétrica e manutenção do espaço, todos a cargo do poder público.

Devemos então concluir que o Carnaval dá prejuízo? De modo algum. Segundo a Riotur, em 2011 o Rio faturou R$ 1,3 bilhão nos dias de folia.

Mais de 5 milhões de pessoas circularam pela cidade maravilhosa gastando, gerando impostos, criando empregos. A lotação dos hotéis bateu a incrível marca de 96%, e cerca de 3.000 jornalistas de todos os países espalharam pelo mundo a exuberância do espetáculo.

Nesse caso, para qual parte dessa planilha devemos olhar? Para o superávit da cidade ou para o déficit dos barracões?

O problema no debate sobre financiamento da produção cultural é a ambivalência. A engenhosa noção capitalista que faz sucesso na Marques de Sapucaí e nos mais adiantados centros mundiais não vale quando quando o assunto é a aquisição de acervos, o salario dos músicos ou a locação de câmeras. Nesses casos, prevalece a lógica da contabilidade de padaria.

Em 2012, a previsão de gastos no Brasil com incentivo fiscal é de R$ 146 bilhões. Destes, ao redor de 1% será reservado à cultura.

Nas raras oportunidades em que a mídia dá destaque aos incentivos de outros setores, aparecem enunciados do tipo "ação de desenvolvimento dirigido", "programa de inovação tecnológica", expressões com as quais todos concordamos.

Em contraponto, há quase uma década os benefícios fiscais da área artística são tratados rotineiramente como desperdício de dinheiro público. Ao lado do habitual zelo da imprensa com a coisa pública, não há como ignorar a parcela de preconceito contra a cultura latejando sob essa ambiguidade.

PAULO PÉLICO, 55, é produtor de cinema e teatro. Coproduziu o espetáculo "Liberdade, Liberdade", de Flávio Rangel e Millor Fernandes, e é diretor do documentário "Fora do Figurino", sobre o jeitinho brasileiro, que estreia em abril

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