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Ruy Castro

Caras borradas

RIO DE JANEIRO - Em "Desconstruindo Harry", filme de Woody Allen em 1997, há um personagem, interpretado por Robin Williams, que aparece aos outros sempre com o rosto fora de foco. Bem -pensei-, esta é uma gag eminentemente cinematográfica, impossível de acontecer na vida real. Mas estava enganado. Na verdade, deparamos com isso a toda hora no dia a dia. Só que não é uma gag.

Jornais, revistas, TV e vídeo vivem borrando a cara de pessoas nas imagens que ilustram reportagens, tenham elas a ver com a história (se forem menores ou ainda não houver provas de que participaram do caso) ou não (se forem apenas circunstantes). Tudo para evitar constrangimentos que levem a processos -e, de fato, quem gostaria de aparecer, mesmo por acaso, numa foto ao lado de, digamos, um desses ex-ministros da Dilma?

Mas estamos caindo no exagero. Reportagens sobre os "points" da moda -restaurantes, botequins, shoppings-, em cidades como Rio e São Paulo, têm se preocupado em desfocar o rosto de pessoas eventualmente em cena, mesmo que estejam apenas comendo um quibe ou comprando um guarda-chuva. A ameaça de processo faz com que cada editor de jornal ou TV pense bem antes de escolher uma imagem.

O que me soa uma contradição nesta época de exibicionismo ululante. Hoje, milhões de pessoas se expõem de todo jeito nas "redes sociais" (sei de gente que já se "postou" dando à luz ou fazendo xixi), frequentam lugares "para ver e ser vistos" ou contratam paparazzi que fingem flagrá-las em situações que lhes renderão algum espaço na mídia.

Como conciliar o justo cuidado com a privacidade e a obsessão dos 15 minutos de fama a que tantos se julgam com direito? Pelo visto, só há uma solução: que, um dia, quem não quiser aparecer já tenha o rosto fora de foco, como no filme de Woody.

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