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Josué Gomes da Silva

Samba e patriotismo

Tenho orgulho, como ocorre com todas as pessoas nascidas em Ubá, Minas Gerais, de ser conterrâneo de Ary Barroso. Um dos mais brilhantes compositores brasileiros de todos os tempos, locutor esportivo, criador e apresentador de programas de rádio e bacharel em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele é um ícone da nossa música.

A cada Carnaval, é inevitável reverenciar a memória desse ubaense emérito, radicado no Rio de Janeiro, onde desenvolveu sua carreira e se converteu em fanático torcedor do Flamengo, paixão que fazia questão de evidenciar nas parciais narrações radiofônicas dos jogos que transmitia.

Com "Aquarela do Brasil", lançada em 1939, Ary Barroso inaugurou o estilo samba-exaltação, que paulatinamente se tornou uma das principais tendências dos enredos carnavalescos no país.

Nesse tipo de música, o mais carioca dos mineiros buscava enfatizar as virtudes da brasilidade, salientando as belezas naturais, a cultura e as qualidades da nossa gente. As letras eram um contraponto à imagem pobre e sofrida da época. Escrevendo canções para filmes de Walt Disney, tornou-se o primeiro compositor brasileiro conhecido nos Estados Unidos.

Penso que um importante legado que Ary Barroso, morto em 9 de fevereiro de 1964, tenha deixado para nós foi a capacidade de reconhecer os diferenciais positivos do Brasil. Afinal, sem autoestima e confiança em sua capacidade, nenhum povo consegue construir uma nação próspera e entrega-se com mais resignação às crises e dificuldades.

Nesse sentido, os sambas-enredo das escolas do Rio e de outras cidades, como São Paulo, seguem, ano a ano, a tradição de exaltar fatos históricos, pessoas, bairros, cidades, regiões e aspectos culturais. É uma verdadeira ópera popular, descrevendo, cantando e dançando os valores e potencialidades do Brasil.

Não se trata, nas músicas de Ary Barroso e nos desfiles, de casual e descompromissado ufanismo. Até porque, em ambos, não faltam momentos de crítica e reflexão. Por mais contraditório e irônico que possa parecer, trata-se, sim, de mostrar ao mundo, na linguagem maravilhosa do samba, que não somos apenas praias, futebol e Carnaval.

Ary Barroso acreditava no conteúdo político da arte e na sua capacidade transformadora. Talvez por isso, em 1946, tenha candidatado-se à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Foi o segundo vereador mais votado. Que prevaleça o seu exemplo, neste ano de eleições. Obviamente, não me refiro à exigência de que cada ocupante de cargo eletivo seja um compositor ou artista. Estou falando de patriotismo, a mais legítima exaltação dentro ou fora do Carnaval.

JOSUÉ GOMES DA SILVA escreve aos domingos nesta coluna.

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